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Antologia Contos Contemporâneos da Violência Urbana: 5x09

Conto de Evandro Valentim de Melo
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Sinopse: A jovem Pérola, sentia-se como dentro de uma concha. Almejava liberdade, longe da vida interiorana. Com a maioridade, o desejo a impulsionou a fugir da casa dos pais. De início desconhecido, seu vizinho de poltrona no ônibus, conquistou sua amizade. Ao final dessa viagem, o que veio a seguir transformou o arroubo juvenil em um grande pesadelo.

5x09 - Cabelos ao vento, liberdade
de Evandro Valentim de Melo

             Pérola associava a forma que seus pais a tratavam ao nome que lhe deram. Assim pensava: “Me sufocam, me cercam de proteção, acham que eu sou obrigada a viver trancada em uma concha. Não aguento mais viver aqui desse jeito, isolada nesse fim de mundo!”.

             Aos poucos, a aspiração por liberdade, qual embrião a romper, pouco a pouco, todas as camadas que o prendem no interior de uma semente plantada em solo fértil, brotou, cresceu e se fortaleceu.

             Tão logo completou dezoito anos, Pérola, que não era planta e não queria criar raízes naquela cidadezinha de interior, resolveu se movimentar. Por dias sucessivos, de modo a que não percebessem, furtou pequenas quantias de dinheiro da carteira do pai. Todavia, compreendeu, essa iniciativa demandaria muito tempo.

             Exigindo de si mesma paciência, “produto” sempre de pequeníssimo estoque no almoxarifado de seu comportamento, aguardou a casa e seus moradores adormecerem. Camuflando-se no breu doméstico, surrupiou economias que a mãe juntava há alguns anos e supunha que a filha desconhecesse o esconderijo. Silenciosa e sorrateiramente, Pérola abriu a porta do lar que a abrigou desde o nascimento. O vento desarrumou seus cabelos ruivos. Ela se deparou com o céu bastante nublado a esconder seus tesouros. Naquela noite, ninguém avistaria a lua, as estrelas ou a jovem vestida de roupas pretas. Ao amanhecer, aquela “preciosidade” não seria encontrada no interior da casa, em seu quintal ou proximidades...

             Mochila às costas, Pérola caminhou até a rodoviária, não muito distante. Ancorada na maioridade, nenhum problema na aquisição da passagem interestadual rumo à nova vida e, pouco depois, adentrava o ônibus.

             Surpreendeu-se com tantos passageiros. Pouco a pouco, lotaram o veículo. A seu lado, sentou-se Afonso, senhor de cabelos grisalhos, que dificultavam precisar a idade, pois seu rosto era jovial.

           Pérola simpatizou com seu vizinho de poltrona logo de cara. Achou-o ótima companhia para conversar durante a viagem, que seria longa.

             Duas horas depois, a primeira parada do trajeto. Atento, Afonso percebeu que Pérola estava faminta, mas receava gastar.

             — Topa dividir um lanche comigo? – Propôs Afonso.

             — Só se for agora. – Respondeu Pérola, com um sorriso.

             No momento de pagar a conta, cavalheiro, Afonso propôs:

             — Este fica por minha conta, comi muito mais que você, além do mais, sou um homem à moda antiga, por favor, permita-me lhe fazer essa gentileza.

             Ao se recordar do pouco dinheiro que conseguira com seu plano, Pérola não se opôs.

             Durante o trajeto, com suas paradas de tempos em tempos, Afonso se mostrou atencioso; a conversa entre a dupla fluiu bem. Apesar da diferença de idade, ele demonstrava conhecer bem o mundo dos jovens, seus gostos... No mesmo tom, Pérola contava sobre si, algumas vivências, mantendo segredo, contudo, quanto à fuga de seu lar.

             — Durante o ensino médio, vários anos eu fui uma espécie de atração nas datas cívicas.

             — Cantava o hino nacional?

             — Não, nunca consegui decorar a letra, grande demais e com muitas palavras estranhas...

             Riram e concordaram.

             — Por que você era “uma espécie de atração”, Pérola?

             — Eu sou tipo uma contorcionista. Consigo fazer cada coisa com meu corpo... Eu poderia até trabalhar como atração de circo.

             Muitos quilômetros e cochilos dela e dele depois, a viagem chegou ao fim.

             — Dê-me licença, Pérola, preciso informar a minha esposa que cheguei.

             Pérola afastou-se, mas Afonso gesticulou para que aguardasse, enquanto falava ao celular. Pérola fingia não ouvir, mas estava ligada na conversa.

             — ... Conheci-a na viagem, pareceu-me uma boa menina. Seria boa companhia para nossa filha, elas têm mais ou menos a mesma idade.

             — ...

             — Não se preocupe com o jantar. Comeremos algo por aqui. Em breve chegaremos, meu amor. Beijo. Te amo.

             O sorriso de Pérola teimava em decorar sua expressão facial. Estava bem difícil não demonstrar o que sentia naquele momento, achando-se sortuda.

             — Desculpe-me, Pérola, eu nem falei antes, não sei se sua viagem termina aqui ou continua, mas, independentemente disso, queria lhe convidar para conhecer minha família. Moramos eu, Suzana, minha esposa e minha filha, Débora. Meu primogênito, Jairo, já tem vida própria e mora longe, atualmente, na Islândia. Não sei se ele volta, pelo jeito, gostou daquele frio horroroso de lá. O quarto que era dele pode ser ocupado por você, caso aceite meu convite. Já falei com minha esposa, e não se preocupe, ela concordou...

             — Tem certeza que não incomodarei sua família? – ela perguntou.

             — De jeito nenhum. Você e Débora farão companhia uma à outra. Ela vai gostar, tenho certeza.

             — Se é assim, aceito, mas só por alguns dias, depois preciso ir para Brasília. – Mentiu, afinal, o pseudo planejamento da fuga só foi pensado até entrar no ônibus, do qual há pouco desceu.

             — Combinado. Vamos jantar? Aqui na rodoviária, acredite, há um restaurante simples, com comidinha caseira da melhor qualidade e a um preço justo.

             — Vamos sim, mas só se eu pagar a conta.

             — Por mim tudo bem.

             A prosa entre Pérola e Afonso prosseguiu fluida, agradável, parecia que se conheciam há anos...

             Durante o percurso, o motorista do Uber perguntou a Afonso se a moça estava bem.

             — Minha filha sempre cai no sono quando toma antialérgico, mas está tudo bem, amanhã, ela acordará serelepe como sempre, obrigado.

             Torpor. Ambiente sombrio. Pérola se viu nua, refletida no grande espelho do teto. Sua posição lembrava a letra X, amarrada fortemente pelos pulsos, joelhos e tornozelos, braços e pernas abertos. Roupas e mochila jogadas ao chão, próximas à parede.

             Já consciente, sentia-se uma perfeita idiota ao rememorar todo o ardil, quando Afonso reapareceu. Ela o xingou de todos os palavrões conhecidos. Em vão.

             Cuidadoso, com carinho extremo, ele banhou o corpo da jovem. Água morna, rico e perfumado sabonete líquido. O móvel em que Pérola estava, permitia que lhe fossem lavados, inclusive, os cabelos. Afonso deixou-a imaculada e cheirosa.

             — Você é tão bela! Tem a pele tão macia; as sardas te fazem muito charmosa. Terminei. Vou banhar-me também. Preciso estar à altura de nossa primeira noite. Será inesquecível!

             Pavor, pânico, horror, aversão, ojeriza... Esses e todos os demais sinônimos de medo orbitavam os pensamentos da jovem. Tardiamente arrependida, seus olhos arremedavam uma queda d’água. Pérola pressentia estar, literalmente, no inferno e, para comprovar, uma de suas portas se abriu. A forte fragrância do perfume de Afonso impregnou o ambiente. A cantarolar, ardente de desejo, ele se despiu, sem qualquer pressa. Aproximou-se da moça e a acariciou com terno olhar.

             — Sua habilidade de contorcionismo me obrigou a mudar o jeito como acomodo minhas meninas, sabia?

             Ela o encarava aterrorizada. Pôs-se a gritar o mais alto que conseguia. As veias do pescoço entumeceram.

             Afonso acarinhou-a, deslizou os dedos por entre os pequenos seios de sua mais nova joia.

             — Grite, Pérola, grite. Estamos três andares abaixo de meu humilde lar. Ninguém a ouvirá; e gritos me excitam ainda mais. – Disse-lhe a cochichar e a mordiscar a orelha da moça, que horas atrás, decidira abandonar sua concha protetora, sufocante...



Conto escrito por
Evandro Valentim de Melo

Desenho
Gilberto Belotti

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima Gisela Peçanha Paulo Mendes Guerreiro Filho Pedro Panhoca Rossidê Rodrigues Machado Telma Marya

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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