Antologia O Mal que nos Habita - 3x01 (Season Premiere) - WebTV - Compartilhar leitura está em nosso DNA

O que Procura?

HOT 3!

Antologia O Mal que nos Habita - 3x01 (Season Premiere)

Conto de Gabriel Cerqueira
Compartilhe:







Sinopse: Um jovem adolescente viaja com a família para a casa de campo fugindo de uma doença que está infestando a cidade grande. Contudo, o que era pra ser o refúgio familiar logo se torna o início de um grande pesadelo.

3x01 - Vermelho Vivo
de Gabriel Cerqueira

26/08/2028

Hoje o café da manhã foi um pouco diferente. No lugar das nossas conversas habituais, animadas, reinava um clima de incerteza. Na noite anterior saiu a notícia de uma nova doença, e todo mundo já começou a lembrar da época do COVID. Ainda que eles não falassem, dava pra ver nos olhos deles que estavam se lembrando de 2020. Eu até entendo. Eu era bem novo, mas lembro que foi uma época tenebrosa, de fato, mas a gente conseguiu passar bem por ela. A parte mais difícil não foi nem ter que ficar preso dentro de casa. Felizmente, não nos faltou nada, já que o papai pôde continuar trabalhando. A parte mais difícil era ver ele tendo que sair de casa. A gente nunca sabia se ele ficaria doente ou não tendo que trabalhar no hospital. Mas ele não ficou. Acho que podemos chamar isso de sorte. E nossa sorte não acabou, tenho certeza. Só quero que todos saibam disso também. Assim nosso café da manhã pode voltar a ser agradável.

02/09/2028

Suspenderam as aulas, igual da última vez. Não entendo. Será que não aprenderam nada com a última pandemia? Por que já não temos uma vacina pronta? É tudo muito estranho… Os jornais demoram pra esclarecer os sintomas dessa nova doença. Agora estão falando que é similar a raiva dos cachorros, só que em pessoas. Bom, seja o que for, tenho certeza que passaremos incólumes novamente. Minha única preocupação é a vovó. Já com mais idade, ela não vai ter uma imunidade tão boa quanto a nossa…

09/09/2028

O papai achou melhor nos trazer para a casa de campo. Disse que as coisas no hospital estavam ficando cada vez mais estranhas, mas ele não explicou exatamente como. Pelo menos não pra mim. Ele e a mamãe só ficam conversando de voz baixa  quando eu não estou perto, isso quando só não trocam olhares que soam como segredos. Bom, só sei que por aqui as coisas estão muito tranquilas. Acho que ficar no campo vai ser bom pra saúde da vovó. Ela sempre adorou o mato hahaha

16/09/2028

Uma semana já se passou. Tem algo estranho no ar. O papai disse que voltaria do hospital logo, mas já se passaram dois dias… Não conseguimos falar com ele, o celular só dá desligado. Tenho certeza que é só muito serviço. As coisas são assim em pandemias. Na televisão, os jornais começaram a reportar saques nas cidades, além de protestos e marchas. Tempos assim deixam as pessoas furiosas. Parece até que elas só precisam de um empurrãozinho pra liberarem os animais que moram dentro deles… Viva a hipocrisia social! Todos sempre se mostram muito bem comportados e valorosos, mas basta um breve momento de incerteza para a raiva tomar conta de todos.

18/09/2028

A vovó está mal. Muitos acessos de tosse, sem falar na espuma branca que sai da boca dela. Tô com medo de ser essa doença nova, mas a mamãe diz que é impossível, afinal, nós saímos da cidade logo que as coisas começaram a ficar ruins. Ela diz que é normal da idade. De qualquer jeito, estou preocupado. Tem algo de diferente no olhar da vovó. Algo que lembra os globos oculares de uma caveira. Chega a ser difícil olhar pra ela. É como se eu estivesse encarando o vazio. A mamãe conseguiu falar com o papai, finalmente. Pelo que pude ouvir da conversa dos dois, ele disse que as coisas estavam muito difíceis no hospital, com muitas pessoas chegando com sintomas de agressividade e até um certo desespero. Alguns iam ao hospital querendo que o médico os matassem. Diziam que viam imagens vermelhas na mente, que não enxergavam nada além de sangue na sua frente. Tudo isso me assustou muito. Foi difícil ir dormir porque eu não conseguia parar de pensar em histórias de vampiros. 

19/09/2028

A noite passada foi muito difícil. A vovó foi acometida por dores horríveis. Uivava em gritos, gritos que lembravam um lobo ladrando em direção à lua. Demorou muito tempo pra mamãe acalmar ela. Muito tempo e muitos comprimidos. Acho até que foram comprimidos demais, mas a mamãe sabe o que faz.

20/09/2028

A vovó não acordou. Simplesmente. Já era de manhã, quase meio dia, quando eu acordei e vi a mesa do café da manhã vazia. Chamei pela mamãe, uma, duas vezes, e ela não me respondeu. Quando fui procurar por ela no quarto da vovó, ela estava sentada à beira da cama, sem esboçar nenhuma reação, apenas encarando a vovó. Perguntei o que aconteceu. Ela só disse que tudo ia ficar bem, repetidas vezes, até que não aguentou e começou a chorar. Chorou tanto que caiu no chão aos meus pés. E eu não soube como reagir. Não pensei em ajudá-la a se levantar, ou em a abraçar, só conseguia olhar para a vovó. Ela estava ainda com os olhos abertos, encarando fixamente o teto. Aqueles olhos, que por muitas vezes me observavam com carinho e amor, agora estavam sem vida. Eram meras esferas vazias. Não sei, mas tive a impressão que eles se desviaram do teto e olharam pra mim uma última vez.

Quando a mamãe se recompôs disse que a vovó não tinha sofrido, que tinha morrido durante o sono. Eu perguntei o que a gente ia fazer, se íamos ligar para o hospital ou para uma ambulância recuperar o corpo dela. Ela disse que não. Que íamos esperar o papai, ele ligou avisando que ia chegar… Deve estar chegando daqui a pouco. Tomara que ele chegue bem, o silêncio aqui tá muito.

A vovó acordou de novo. Mas não era mais ela. Não sei muito bem o quê ela era exatamente. Só sei que de repente ouvimos o som de algo vindo pelo corredor. Quando viramos para ver o que era, lá estava ela, de pé, rígida, altiva, como era nos seus tempos de juventude. Por um momento eu achei que ela estava de volta. Mas não era a vovó ali. Era algum tipo de monstro. Pelo menos o grito que ela deu foi igual ao de um monstro. Na hora eu só pensei nos Nazgul. Além do grito, também teve o caminhar. Era pesado, como se ela batesse com os pés no chão. E assim ela veio em nossa direção. A mamãe chamou ela, perguntou se tava bem, mas a resposta que teve foi um empurrão. Ela e a vovó se entrelaçaram no chão. A vovó parecia querer morder ela, pois não parava de babar e de bater os maxilares como se estivesse mastigando um pedaço bem duro de carne. A mamãe gritava para ela parar, dizendo que era sua filha, mas ela não parava. E eu apenas observei tudo, até que puxei a vovó de cima da mamãe. Acho que foi o maior esforço que eu já fiz na minha vida. Ela parecia pesar toneladas. Quando consegui tirar ela de cima da mamãe, ela tentou me morder. Foi tudo muito rápido. O que eu consegui ver foi o sangue dela jorrando no meu rosto. Acho que a mamãe enfiou uma faca nela. Muitas vezes. Até ela parar. Acho que agora ela morreu de verdade. 

O papai não chegou ainda, tá demorando. Não quero mais escrever, sinto enjoo só de pensar. Vou parar por um tempo.

01/10/2028

Pouca coisa mudou. O papai não chegou, a vovó continua morta. Pelo menos levamos o corpo para fora. Enterramos na trilha que ela adorava. Acho que ela ficaria feliz com o lugar que escolhemos. A comida tá acabando. Já falei com a mamãe, mas ela só fala para esperarmos o papai. Já estou duvidando que ele vai voltar mesmo.

04/10/2028

A comida vai acabar. Temos o equivalente a mais uma semana. A mamãe não quer sair pra procurar ajuda, por mais que eu insista. Os dias estão ficando difíceis também. Por mais livros que eu tenha aqui, à noite não posso lê-los, já que a energia acabou. E tá difícil pra ler também. Acho que é por estarmos racionalizando a comida

Tive uma ideia! Posso tentar caçar. Não sei se têm muitos animais aqui por perto, nem sei como faria pra caçar… Deixa pra lá.

Consegui matar alguns pássaros. Joguei pedras neles. Três. Não eram gaviões, mas acho que vai dar pro gasto. Trouxe eles para a mamãe e ela apenas os olhou e os pegou, não disse nada. Tomara que deem um bom jantar.

A carne deles era bem pouca, bem fina. O gosto, me lembrou um pouco carne de carneiro, igual a que o Tio Enedino levava no Natal… Ah! Que saudades do natal! Era a melhor época do ano. Família, amigos, mesa farta! Como sinto falta. O mais perto que eu tive daquela época agora foi o vermelho vivo do sangue da vovó que jorrou no meu rosto quando a mamãe enfiou uma faca nela. 

05/10/2023

Acho que os pássaros não foram o suficiente. Naquele jantar foi, mas logo depois voltamos a sentir fome. Não sei mais o que fazer. Tenho certeza que seria melhor se saíssemos daqui já!

08/10/2023

Quando finalmente convenci a mamãe a sair, recebemos visitas. Por um momento fiquei muito animado, achando que era o papai, mas não era o carro dele que se aproximava do portão. Era um homem, se chamava Jeferson. Disse que só precisava parar um pouco para descansar e comer alguma coisa. Dissemos que não tínhamos nada para oferecer, mas ele disse que ele tinha. Só queria mesmo comer em um lugar seguro. Era muito suspeito, verdade, mas o cooler repleto de verduras, assim como os enlatados que trazia nos convenceram a deixá-lo entrar. A presença dele foi bem agradável. Compartilhou tudo com a gente e nos contou a história dele, sobre como estava viajando pelo estado para encontrar a família e poder ajudá-los. Disse que as coisas estavam bem loucas na cidade, que as pessoas começaram a atacar umas às outras loucamente. Eu e a mamãe nos olhamos na hora, mas não dissemos nada. Acho que ele percebeu. De repente, ele puxou um walkie-talkie. Disse que era pra falar com o amigo dele que iria encontrá-lo para juntos seguirem viagem. A mamãe reclamou que ele não tinha falado nada de um amigo, mas ele logo a tranquilizou, disse que era um padre. O resto da conversa eu não me lembro. De repente me senti muito sonolento e vi que a mamãe também estava. Quando me dei conta, acordei amarrado ao sofá, vendado e com os ouvidos tampados.

Não sei por quanto tempo dormi. Quando Jeferson tirou as vendas, o seu amigo já estava lá. Não era nenhum padre, parecia mais com o dono da loja de penhores em Pulp Fiction. Perguntei da mamãe, e ele calmamente disse que ela tinha sido infectada e que eles não tiveram outra escolha a não ser matá-la. Eu não acreditei. Comecei a gritar e chorar, e ele me acalmou com um abraço. Disse que tudo ia ficar bem. Eu perguntei porque estava amarrado e ele disse que era por segurança, pois não sabia se eu estava infectado também, afinal nós dois tínhamos desmaiada do nada. Depois eu só conseguia chorar. Só pensava em como deveríamos ter deixado a casa antes e ido atrás do papai. Mas no fundo eu sabia que não adiantaria nada, provavelmente ele também tinha sido infectado no hospital. De repente o Jeferson chegou no quarto com uma tigela de café da manhã. Disse que era canja de galinha, que ele tinha feito com as coisas que tinha trazido. Disse que cuidaria de mim e me levaria para família dele. Disse que eles eram muito amáveis e que logo eu me sentiria como parte deles. Disse que eu nunca mais iria sentir fome estando com eles. Isso me acalmou, e agora estou com eles indo até a família do Jeferson. 

Estranho, não me lembro dele ter nenhuma carne de galinha com ele quando chegou lá em casa…

Conto escrito por
Gabriel Cerqueira

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Mercia Viana
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO

""

Copyright 
© 2024 - WebTV
www.redewtv.com
Todos os direitos reservados
Proibida a cópia ou a reprodução




Compartilhe:

Antologia

Antologia O Mal que nos Habita

Episódios da Antologia O Mal que nos Habita

No Ar

Comentários:

0 comentários: