No
capítulo anterior, Imã, Drica, Carlito e Rui se reúnem para descobrir como
ativar as cirandas, até que recebem uma inusitada visita.
CAPÍTULO 04 - VOCÊS TÊM INTERNET?
O
grupo fica entre temeroso e perplexo, Rui fotografa a ave com o celular e
procura na internet imagens que consigam identificar a espécie, mas nenhuma
descrição corresponde à realidade, ou melhor as descrições com as
características não coincidem com as proporções do pássaro.
Enquanto
isso, a ave não se incomoda com a presença do quarteto, coça o peito com o bico
e de vez em quando desvia o olhar para o horizonte, os movimentos são rápidos,
mas serenos. Carlito gesticula para que ninguém faça movimentos bruscos. Imã
sai da janela e chega próximo a porta da varanda, ela se move lentamente. Rui
se entusiasma.
—
Achei!
O
grito chama atenção de todos, até da ave que se volta para a janela. Ela abre
as asas, como se fosse voar, todos ficam paralisados olhando para ela. Carlito
tampa a boca do Rui e o agarra firmemente. O celular cai no chão. Imã encara a
ave, que pula da grade para o chão da varanda, depois salta em direção a porta
e começa a bicar como se a empurrasse. Imã olha para os amigos.
—
A-acho que ela quer entrar. — Carlito sussurra.
Imã
concorda com a cabeça. Drica chega em Carlito e, cuidadosamente, abaixa o braço
do menino permitindo que Rui volte a respirar. Imã se aproxima da porta e a
destranca, deixando-a entreaberta.
A
ave empurra e estica o pescoço para dentro do escritório, olha em todas as
direções e entra. A turma fica parada como estátua, para que a ave não se
assuste. Ela parece verificar cada detalhe e ignora a presença dos jovens. Para
próximo a bandeja de lanches e começa a bicar.
Rui
se aproxima por trás esticando a mão. Carlito tenta segurar o amigo.
—
O que cê quer fazer? — sussurra.
—
Um nome: Owen Grady.
—
O quê? Tá maluco? Isso não é um velociraptor e nós não estamos num filme. Vem
cá, vem cá! — Carlito cochicha
desesperado.
Tarde
demais, Rui está mais perto do pássaro e fora do alcance de Carlito, que se
afastou para proteger Drica, encolhida atrás dele. Imã também está paralisada
atrás da porta, sem perceber prendeu a respiração. O tempo parece congelar e
apesar do entusiasmo, a mão de Rui treme e sua, ele fica ofegante de medo.
Súbito,
o pássaro se volta e encara Rui.
—
A senhorita é a Princesa Macar? Um pouco diferente do que eu imaginava.
Não
deve ser difícil imaginar a perplexidade dos jovens. Apesar do instante de
silêncio a ave espera paciente por uma resposta.
—
E-eu so-sou Macar. — Imã sai de trás da porta.
A
ave pula para se virar e olha a menina da cabeça aos pés.
—
Ah, sim. Muito prazer, Princesa, sou Belchior, o rouxinol.
—
Ah, eu sabia, sabia, era isso que eu ia dizer. Ele, ele, ele é um rouxinol,
mas, putz! Que baita rouxinol, hein? Eu...ui! — Rui é travado da maneira
tradicional.
Belchior
olha para os amigos de Imã.
—
E quem são esses, se não se importa?
Mais
confiante, Imã se encarrega das apresentações.
—
Bom, essa é minha amiga e... — Imã olha para Drica pedindo que ela se
apresente, mas a menina ainda está perplexa. — bem, ela é Drica, minha dama de
companhia e esses dois são...
—
Muito prazer senhor Belchior, eu sou Lorde Gallagher, Cavaleiro da Távola
Redonda. — Rui se reclina quase colocando a cara no chão.
—
O senhor é uma graça, mas, pelo que me consta, seu corpanzil não parece de um
cavaleiro. De qualquer forma, estou honrado. E o senhor? — voltando para
Carlito.
—
E-eu? Eu sou o Carl...
—
Esse é meu outro Cavaleiro, Sir Machado. — Imã disfarça.
Belchior
faz mesura para todos.
—
É uma honra conhecer a comitiva da Princesa Macar.
Rui
nota um detalhe.
—
Essa tira cruzada no peito não atrapalha o voo?
—
Atrapalha um pouco sim.
—
Ainda não sabemos quem é o senhor. — Imã cobra explicação.
—
Perdão, mas não tenho muito a dizer. Só que fui criado para uma função
específica, embora não saiba exatamente o quê. Lembro que foi uma maga que me
criou...
—
A Cuca? — Rui se apressa.
—
Sim, isso mesmo, vocês a conhecem?
—
Eu já a conheci. — Imã fecha o semblante.
—
Então, mais do que isso não sei, a não ser...
—
Espera aí, você disse que conhecia a Im... quero dizer, a Princesa Macar. —
dessa vez é Carlito que interrompe. — E quem te colocou essa tira?
—
Aconteceu algo muito ruim em meu mundo, não sei dizer o quê. Foi o nobre quem
me colocou a tira, depois não sei como, me enviou pra cá. Ele disse que eu
precisava encontrar a Princesa Macar, segundo ele, é uma moreninha linda, de cabelos
encaracolados, olhos espertos, curiosos e muito corajosa.
Os
olhos de Imã lacrimejam.
—
Meu vô, você conheceu meu vô Táquio?
—
Não, acho que não era o seu vô, eu o conheço como...
—
Conde E? — Rui novamente. — Foi ele, né?
—
Sim, Conde E. O seu vô Táquio também está em meu mundo?
—
Viu? Viu? Eu disse, eu disse, o Conde E, eu disse é o Conde E, ele é brabão, eu
falei, num falei? Falei sim.
Imã
tenta não se contagiar pelo entusiasmo de Rui, mas a alegria em seu rosto é
evidente. Carlito é mais racional.
—
Espera Rui, quero dizer Gallagher, primeiro temos que saber como podemos voltar
para esse mundo.
Belchior
salta assustado.
—
Voltar? Não, não podemos voltar. Sir Machado, não me ouviu? Tem uma coisa muito
ruim acontecendo em meu mundo, por isso o Conde me enviou pra cá.
—
O Conde também deve estar em perigo, nós temos que resgatá-lo, senhor Belchior,
precisa nos ajudar. — Carlito insiste.
Nesse
instante Drica se intromete na conversa.
—
Gente, com licença, mas nós vamos mesmo ignorar que tem um rouxinol gigantesco
falando?
—
Vocês também estão falando. — Belchior não entende a observação.
—
Drica, isso é o que menos importa, agora e sim como faremos para voltar. — Imã
chama atenção da amiga.
—
Não, não, desculpem, mas para lá não volto. Ora, bolas, onde já se viu? Sou
enviado para ficar a salvo e os que deviam me proteger querem me jogar de volta
ao perigo. — Belchior sai do escritório e se pendura novamente na grade da
varanda. — Seu castelo é interessante, Princesa Macar, tão alto.
—
Caraca, é mesmo, isso aqui é um castelo. — Rui tem uma epifania.
—
Espera, pra onde você vai? — Drica se aproxima de Belchior.
—
Senhor Belchior, por favor, nós precisamos da sua ajuda, não podemos abandonar
o Conde. — Imã implora.
Belchior
está distraído com a paisagem.
—
Seu mundo é tão estranho, tem vários castelos iguais a esse, todos bem próximos
uns dos outros. Olha aqueles animais ali embaixo, serão formigas e lagartos?
Têm formas diferentes. O que são? Um pouco barulhentos, parecem.
Rui
se pendura na grade ao lado de Belchior.
—
Aquilo lá? Ah, são ônibus e carros, eles servem de transporte. Vocês não têm
carros em seu mundo?
—
Temos carroças para transportar os que querem andar mais rápido e
borbolecópteros para viagens mais longas.
—
Borbolecópteros? Você disse borbolecópteros? — Imã se anima. — Fui eu e o Conde
E que demos esses nomes.
—
É? Não sabia. — Belchior não dá muita importância.
—
Escuta senhor Belchior, nós somos da família do Conde, e precisamos trazê-lo de
volta. Precisamos dele aqui. — Carlito quer persuadir o pássaro.
—
Por que? Ele está bem onde está.
—
Se estivesse bem, ele não te enviaria para cá, né? — Imã começa a se irritar.
Drica
fica próxima de Imã e segura na mão dela.
—
Calma, Princesa, ficar nervosa não vai ajudar em nada.
O
olhar da amiga, traz Imã à razão, ela se controla. Carlito argumenta.
—
Senhor Belchior, veja, a Princesa tem razão, se o Conde estivesse bem mesmo,
ele não te enviaria para cá e nos encontrar.
Belchior
se mantém calado e volta para o grupo.
—
Talvez o senhor tenha razão, Sir Machado, mas temo que não possa ajudar, pois
não sei como retornar.
Imã
aproxima de Belchior.
—
Não sabe? Não é possível, você tem que lembrar como voltar.
Carlito
e Drica tentam acalmar a menina, Rui fica próximo de Belchior.
—
Deixa eu te perguntar uma coisa, vocês têm internet nesse mundo?
—
O que é isso?
—
Ah, não esquenta, e games?
—
Não faço a menor ideia do que o senhor está falando Sir Gallagher.
—
Caramba e como as pessoas fazem pra viver a vida?
—
Acredito que cada um tenha suas próprias tarefas do dia-a-dia.
—
Como o quê? Decidir que reino e vidas vão destruir?
—
Rui! — Carlito se intromete no papo.
—
Pô, Sir Machado — Rui fala entre dentes — Imagina que tipo de mundo esses caras
têm lá.
—
O mundo que a gente sempre sonhou em viver nossas aventuras.
—
Tá e eu quero saber como faremos para gravar tudo e enviar pro nosso grupo de
Whats, ou o Face, ou Insta...
—
Tá já entendi, Gallagher.
—
Os senhores não fazem ideia do que estamos sofrendo, não é? — Belchior divaga
enquanto os amigos discutem.
Agora
é Imã quem se manifesta.
—
E nem o senhor, senhor Belchior, ou saberia o que nos contar. Como pode ter
certeza de que algo tão ruim está acontecendo se nem mesmo tem ideia do que
está fazendo aqui?
—
Queira desculpar, Princesa Macar, infelizmente a memória falha em relação a
minha natureza, porém, sei que eu estava em grave perigo e fui enviado para cá.
Disso sei bem.
—
Sim, mas isso não importa, queremos saber como fazemos essas transposições
entre mundos. — Carlito continua pensativo. — Ajudaria se o senhor nos dissesse
como foram seus últimos momentos antes de aparecer aqui.
Belchior
começa a se agitar, Rui nota que tem uma saliência nas costas do pássaro.
—
Você quer que eu tire isso de você?
—
Se puder, eu agradeço, está começando a incomodar.
Assim
que corta a tira uma ciranda cai no chão. Imã pega e repara que é igual as
outras que vô Táquio havia deixado para a neta. Carlito apanha a ciranda,
coloca em cima da mesa e continua.
—
Você tinha isso contigo o tempo todo?
—
Desculpe, Sir Machado, mas realmente não fazia ideia do que estava debaixo das
tiras.
—
Machado, talvez seja essa ligação de que precisamos. — Imã se entusiasma.
—
Bom, até agora só sabemos que precisamos ter contato físico com as cirandas
para nos transportar entre mundos, mas ainda não sabemos como ativar.
—
Espera aí, Sir Machado, eu não cheguei a tocar no objeto quando aquela descarga
aconteceu. — Rui pondera.
Carlito
para alguns instantes pensativo.
—
Senhor Belchior, quando o senhor chegou ao nosso mundo, foi agora?
—
Não, não, já faz algum tempo. Quando percebi eu estava em um tipo de terreno,
depois apenas os acompanhei até aqui, foi assim que cheguei.
—
Pronto, agora sabemos que não foi você, Gallagher, quem acionou a ciranda. Pode
ter sido o próprio Conde quem enviou o Belchior. Mas, ainda não sabemos como
ativar.
—
E nem pra onde ir. — Rui completa.
—
Como assim? — Imã se confunde.
—
Ué, você disse que o Conde viajava por vários mundos. Então, seu vô devia ter
algum mapa ou já sabia os caminhos de cor e salteado.
—
Princesa, Gallagher tem razão, sem saber pra onde ir, a gente vai acabar
parando em outro mundo. — Carlito concorda.
—
E também por que o Conde tinha um portal até agora e não usou para voltar para
nós? — Rui ressalta.
—
Ai, gente, um problema de cada vez. — Drica tenta conter os impulsos.
—
Isso, vamos focar no principal, ativar os portais. — Imã determina a
prioridade.
O
grupo se reúne em torno da mesa e reposicionam as cirandas, Carlito as encara
como se quisesse estabelecer alguma conexão, Rui caminha com os braços cruzados
atrás, sem desviar o olhar, Belchior também se mantém concentrado. A tensão que
predomina o ambiente pôde ser sentida por todos.
A
porta do escritório abre e Tiana entra para recolher os lanches.
—
Virgem Maria Santíssima, o que é isso? Imã, Imã!
Os
gritos chamam a atenção de Belchior, ele não se agita, apenas fica parado como
se estivesse esperando o próximo movimento. Instintivamente, Tiana avança em
direção a Imã com a intenção de protegê-la e a agarra pelo braço. A menina não
se deixa levar e puxa por Carlito, que segura Rui, por sua vez puxa por
Belchior, simultaneamente Drica corre para pegar as cirandas de cima da mesa.
Tiana fica nervosa, então uma suave melodia começa a soar nos ouvidos e a
escuridão toma conta de todos.
Imã
sente leves bicadas no rosto e abre os olhos, toma um susto ao ver Belchior que
diminuiu de tamanho cabendo na palma de sua mão. Ao seu lado, Tiana ainda está
desacordada. A claridade do céu azul a deixa confusa.
—
Belchior? Onde estamos? Por que você diminuiu assim?
—
Não faço ideia Princesa, mas definitivamente, não estamos em seu castelo e nem
em meu mundo.
A
paisagem é muito agradável, com grama verde e fofa, uma lagoa plácida logo a
frente, céu claro e sem nuvens, o ar é fresco e perfumado, mais adiante tem um
bando de pássaros voando em torno de uma frondosa árvore, Belchior voa na
direção da passarada. Algumas criaturas gigantescas aparecem no horizonte,
semelhantes a dinossauros, mas não dá para ter certeza, de qualquer forma não
são ameaçadores.
Já
mais lúcida, Imã tateia o corpo para ver se não há ferimentos, depois olha em
volta procurando os amigos. Por um instante, sentiu de novo o prazer da
sensação nostálgica de quando viajava com o vô Táquio. Antes de levantar,
verifica se Tiana está bem, colocando uma folha de árvore debaixo do nariz
dela, para ter certeza de que está respirando. Um ronco mais forte traz o
alívio que precisava ouvir.
Imã levanta para ter uma noção do local em que estão. Só então repara duas criaturas, parecidas com felinos, mas, em pé sobre as patas traseiras, portando lanças primitivas, paradas olhando diretamente para ela.
M. P . Cândido
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Carlos Mota
Bruno Olsen
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