No
capítulo anterior, seis anos após se separar de seu avô, Imã ainda tenta
descobrir como voltar às viagens por mundos, até que conhece dois novos amigos,
Carlito e Rui.
CAPÍTULO 03 - A AVENTURA ACABA AQUI
Carlito
foi surpreendido com a conclusão do amigo, mas não discorda, por isso, ficou
tão perplexo quanto as meninas. Imã se recobra e controla a raiva que emerge no
peito. Apenas estapeia a bandeja com o ketchup, mostarda, guardanapo de cima da
mesa e se levanta.
Carlito
corre atrás dela.
—
Imã, peço desculpas pelo meu amigo, mas reconheça que ele tem razão.
—
Não, não tem.
—
Tudo bem, eu sei que você ama seu avô, mas veja, pelo que a gente sabe de
viagens a outras dimensões, geralmente as contagens de tempo não são
compatíveis.
—
O que você quer dizer com isso?
—
O que o R2 quis dizer é que, quando vocês faziam as viagens, os corpos de vocês
ficavam aqui e não sofriam com as mudanças de ambiente, isso quer dizer que o
tempo nesses mundos são diferentes do nosso. Às vezes um dia inteiro lá, não
passava de algumas horas aqui. Agora, imagine essa proporção multiplicada por
anos no nosso mundo?
—
Ainda assim, se o tempo sofre distorções desproporcionais, é possível que o
espírito do meu avô também se preserve.
Carlito
reflete sobre o que a Imã diz.
—
Você tem razão, é uma possibilidade.
—
Eu não posso desistir do meu avô, ele não me abandonaria e ficou lá pra me
proteger. Sou a única que sabe onde ele tá, eu só preciso aprende como chegar
lá. C3, eu preciso de ajuda, preciso muito mesmo.
Os
jovens param de frente, Imã não consegue encarar o amigo, que percebe o olhar
lacrimejante dela e seu coração aperta.
—
Nós vamos te ajudar. Não se preocupe com R2, ele é meio sem noção, mas você vai
ver que é um cara muito maneiro.
Drica
e Rui se aproximam.
—
Vai, gordinho, fala logo.
—
Imã, desculpa, falei sem pensar. É que às vezes eu me empolgo e...
—
Tudo bem, R2. Dessa vez passa. — Imã passa a mão sobre os olhos. — Você vai me
ajudar?
O
sorriso volta ao rosto do quarteto.
—
Claro, pô, estamos loucos pra ver essa parada toda aí. — a falta de traquejo do
corpo rígido de Rui traz de volta o sorriso nos rostos dos jovens.
Sem
ensaiar, Carlito e Rui estendem o punho cerrado à frente, um sobre o outro, mas
Drica e Imã não acompanham, deixando os nerds sem graça.
—
Gente, menos drama, né? — Imã não perde a chance de ironizar a coreografia dos
rapazes.
Um
segundo passa sem nenhum movimento e antes que os meninos recolham a mão, Drica
e Imã batem em cima.
—
Se vocês gritarem alguma babaquice, eu juro que a aventura acaba aqui. — Imã
avisa.
Drica
cai na gargalhada.
—
Seguinte, voltaremos pra cá às três. Daqui vamos pro meu apartamento, lá a
gente fica mais à vontade. — Imã lidera o grupo.
Imã
e família moram em um conjunto de prédios residenciais com segurança
particular, no quinto andar. O apartamento é amplo, sala, copa, cozinha, três
quartos, sendo uma suíte, banheiro social, dependências de empregada e
varandão. Como a Imã é filha única, um dos quartos foi transformado em
escritório. Os pais dela estão trabalhando e, no momento, a única adulta é
Tiana, que cuida da Imã e do avô Táquio desde que ele ficou viúvo. Assim que o
grupo toma o elevador, Rui exibe o novo celular.
—
Peguei do meu irmão.
—
Legal, ele te emprestou? — Drica examina o aparelho.
—
Bom, não exatamente.
—
Com certeza, o irmão nem sabe onde o telefone está. — Carlito já conhece o
amigo.
Assim
que o elevador abre as portas, o grupo é recebido com um largo sorriso.
—
Imã, quem são esses aí?
—
Ah, a Drica a senhora já conhece, esses são o R2 e o C3. Gente, essa é a Tiana.
—
Rui e Carlito, senhora, muito prazer. — Carlito estende a mão para
cumprimentar.
—
Olha, que cavalheiro, muito prazer, senhor Carlito.
—
Tiana nós vamos ficar no escritório, tá bom?
—
Tá, mas tomem cuidado, tá tudo arrumadinho lá.
Os
jovens entram em silêncio e encostam a porta.
—
Muito bem, o que você tem pra mim? — Rui usa um tom sério enquanto caminha ao
redor da mesa.
—
O quê? — Imã não entende a referência.
—
Cala a boca R2, se liga no problema. Vai Imã, amostra pra gente as cirandas e
vamos ver o que dá pra descobrir. — Carlito retoma a seriedade.
Os
quatro se posicionam em cada lado da mesa retangular, Imã retira os artefatos e
os dispões separadamente lado a lado. As peças são semelhantes a dados
esculpidos em pedra polida de cor escura, macios e agradáveis ao toque, parecem
sólidos como um pedaço de ferro, mas são leves como um balão de gás. Os olhos
de Rui e Carlito brilham ao vislumbrar o que agora acreditam ser um portal
interdimensional.
—
Nossa! C3, cê tá ligado que todas as histórias e teorias que lemos vão servir
exatamente para esse momento? — o olhar do jovem não deixa dúvidas de que já
está planejando as viagens.
—
Sim, parece que tudo o que estudamos e nos acusaram de ser cultura inútil pode
servir para salvar a humanidade de uma ameaça planetária... — apesar de tentar
ser racional, Carlito também embarca na mesma sintonia do amigo.
—
Hei! Hei! Hei! O que vocês tão falando? Isso aí não tem nada a ver. — Imã
começa a ficar impaciente. — Ciranda, é assim que o vô Táquio chama os portais,
eles são a chave para as viagens.
—
É e se vocês não puderem ajudar é melhor parar aqui. — Drica também fica
assustada com o entusiasmo dos rapazes.
Carlito
retoma a linha de raciocínio.
—
Dá só um instantinho... R2, lembra como você fez pra provocar aquela descarga?
Rui
para alguns instantes como se estivesse revivendo cada detalhe do dia em que
foram assaltados.
—
Pelo que lembro, eu pulei em cima do ladrão, soquei a cara dele tão forte que
espirrou sangue, ele gritou desesperadamente pedindo clemência, falou que nunca
enfrentou alguém tão forte e poderoso e... ui!
—
R2, vamos voltar pra realidade? — Carlito dá um tapa na cabeça do Rui.
—
Tá, tá. Mas, só pra registro, voltar pra realidade é exatamente o que não
queremos aqui. Ah, Imã, qual é a senha do wi-fi?
Drica
e Imã trocam olhares confusos, a anfitriã pega o celular e digita a senha.
Carlito caminha em torno da mesa sem tirar os olhos das cirandas, Rui copia o
movimento no lado oposto.
—
R2, eu vi você conversando com a Imã antes de abaixar pra pegar a ciranda.
Lembra o que disse?
Rui
para uns instantes de olhos fechados.
—
Já sei, eu te chamei de tecnofóbica!
Imã
se entusiasma.
—
Isso mesmo, você falou que nunca tinha visto uma tecnofóbica antes.
—
Aí eu abaixei pra pegar isso aí e...
—
Eu gritei “não”!
Rui
arrisca a tocar na ciranda, Carlito e Drica fecham os olhos e se apoiam na
mesa, ao contrário, Imã se prepara esperando a mágica, mas dessa vez nada
acontece. Carlito tenta entender.
—
Só isso? Nada mais?
—
Não, nada. Pelo menos é o que lembro.
Drica
também se esforça para pensar em mais algum detalhe.
—
Será que o fato de você ficar ansiosa provocou o portal?
—
É, pode ser. — Carlito concorda — Fica ansiosa aí. — fala com Imã.
—
Como assim? Eu já tô ansiosa.
—
Imã, eu tô curioso, fala sobre esses mundos. — Rui pede enquanto observa os
objetos.
—
É, fala pra eles as histórias que o vô Táquio contava.
Imã
suspira fundo.
—
Olha, eu nunca soube como o vô fazia para começar as viagens e nem onde
acordaria, eu só fechava os olhos e me deixava levar. Mas também eu era muito
pequena, não me importava, desde que estivesse com ele. A gente viajava direto,
os mundos tinham cada paisagem incrível, em alguns, a gente conseguia voar sem
o menor esforço, em outros dava pra respirar até debaixo d’água. Era como uma
montanha-russa, mas em proporções muito maiores. Tinha cada paisagem, as cores,
árvores e flores gigantescas, insetos... aliás, tinha cada criatura, lembro que
era cada uma mais estranha que outra. Algumas até me davam medo, mas o meu vô
sempre me protegia e não deixava nada mal acontecer comigo.
—
E as comidas? — Rui se entusiasma.
—
R2 nem disfarça que é esganado. — Drica se diverte.
—
Nesses mundos as comidas eram quase todas naturais, muitas frutas diferentes
com sabores que duravam muito mais tempo na boca. O vô Táquio achava mais
prudente a gente só comer o que parecia ser vegetal, porque qualquer outra
coisa podia nos fazer mal.
—
O vô Táquio era esperto. — Carlito sorri para Imã.
—
Ainda é. — Imã corrige — Mas, a gente quase não comia nesses mundos, não sentia
fome. Até beber, também a gente bebia pouco.
—
Deve ser porque o espírito está acostumado ao metabolismo do corpo. — comida é
assunto favorito de Rui.
—
É, nunca pensei nisso, faz sentido. — Imã concorda.
—
E para falar com as criaturas, como vocês conseguiam entendê-las? — Carlito
continua provocando a memória de Imã.
—
Acho que as cirandas nos davam poderes para entender todas as criaturas, mas eu
não sei dizer se é isso mesmo ou se tem outra coisa.
Drica
nunca participou das aventuras, mas tinha algo a dizer.
—
Eu sonhava com o dia em que o vô Táquio ia me levar pra voar também. Ele me
prometeu.
—
Caraca! C3, imagina a gente conseguir chegar nesses mundos. Acho que nunca mais
volto.
—
Vai deixar sua mãe e pai aqui nesse mundo, sem você?
Rui
para uns instantes, lembrou que tem pais.
—
Eu volto pra pegar eles, simples assim.
—
Tá, mas Imã, fala mais. Agora sobre o último mundo que você foi. — Carlito é
mais centrado.
—
A gente apareceu em Emityma, mundo próximo a um reino e resolvemos usar nomes
da nobreza, eu era a Princesa Macar e meu vô era o Conde E. A gente foi enviado
para ajudar o Rei Gjorgy e pegar uma tal arma, sei lá... porque ele disse que
ia enfrentar um inimigo poderoso e queria proteger seu reino.
—
Você lembra o nome do Rei?
—
Não lembro, mas ele foi muito legal com a gente e o vô Táquio disse que a gente
sempre precisa ajudar quem nos ajuda. Foi então que conhecemos a Cuca...
A
lembrança provoca arrepios em Imã, o rosto da maga Cuca vem à mente depois de
muito tempo, sente um mal-estar e procura se sentar. De repente o som do grito
da maga retorna aos seus ouvidos, instintivamente, Imã leva as mãos aos
ouvidos. Rui faz gestos para Carlito parar de fazer perguntas, Drica se
aproxima da amiga e a abraça carinhosamente, encostando a cabeça dela em seu
ventre.
—
Ela só tinha oito anos, isso foi há muito tempo, não dá pra lembrar tudo.
—
Desculpe, não sabia que isso ia fazer mal a ela. — Carlito se preocupa.
—
Não, tá tudo bem, Drica, eles não tinham como saber. Eu também não contei tudo.
—
Tem o lado ruim, né? Eu sabia, sempre tem que ter um lado ruim. Tem um lado
ruim, não tem? Um cara mau querendo destruir tudo. — Rui fica agitado.
—
A Cuca é a última pessoa que lembro, é também a única que tentou nos atacar, de
todas as viagens que a gente fazia, nunca encontramos uma única criatura que
tenha tentado nos atacar. E essa... maga... ela tinha cara de jacaré e só
falava perguntando...
—
Imã, não precisa falar dela. — Carlito é condescendente.
—
Não C3, eu preciso. Preciso perder esse medo, porque será ela que eu vou ter de
enfrentar para achar meu vô. — Imã se encoraja.
—
Talvez não. — Rui discorda.
—
É, Imã, o R2 tá certo, se o teu vô é esperto como você diz, é capaz de ele já
ter se livrado dela há muito tempo.
Incrivelmente,
o raciocínio dos amigos leva um conforto para Imã e Drica percebe o alívio da
amiga. Com um olhar ela agradece aos rapazes pelo consolo, porém, Rui não
entende e Carlito volta as atenções para os objetos.
A
porta do escritório é aberta, Tiana aparece com uma bandeja de suco, biscoitos,
bolos e pães.
—
Toma aqui pra vocês não ficarem fracos e com fome.
Rui
avança na frente.
—
Oba!
Tiana
fecha a cara quando vê as cirandas sobre a mesa.
—
Imã?
—
Hã! Não se preocupa, é só um bate-papo com os amigos. Prometo, não precisa
ficar preocupada, não tô tendo recaída. Tomo meus remédios direitinho, prometo.
—
Promete?
—
Sim, tô bem, não tô gente? Fala pra ela, Drica.
—
É, sim, ela tá só mostrando pra gente, está normalzinha. — Drica protege a
amiga.
—
Dona, esse bolo tá super gostoso, se tiver mais... ui!
Carlito
leva a sério a função de supervisão de Rui.
—
Não liga pro meu amigo, dona Tiana, por isso ele é gordo assim.
Sorrindo,
a mulher deixa os jovens e sai do escritório. O quarteto volta atenção para as
cirandas, enquanto isso Carlito se afasta um pouco, como se quisesse um tempo
para raciocinar e debruçar na janela. O pôr-do-sol no horizonte enfeita o céu
de outono com tons alaranjados, a imagem é fascinante. Pela altura do
apartamento, os sons da cidade não incomodam o vislumbre. De repente salta para
trás, assustando os amigos.
—
O que é aquilo?
Os três correm para olhar na direção que Carlito aponta. Um pássaro do tamanho de uma pessoa adulta está pousado na grade da varanda.
M. P . Cândido
Elenco Imã vô Táquio Rei Gjorgy maga Cuca Tiana Rui Carlito Drica Tudão Cerol Renê Zara Ema Utah Sári Vento Participações Especiais Gualbe Beron Zebu Melo vó Nácia Tema Boom Boom Pow Intérprete The Black Eyed Peas
Carlos Mota
Bruno Olsen
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