Apocalipse
de Rodrigo Picon
Por sorte, eu havia dormido
bem na noite do fim do mundo...
Era
21 de maio de 2028. Eu e minha esposa, Mariana, estávamos dormindo em um quarto
de um apart-hotel próximo à praia que alugamos ao lado do quarto dos nossos
amigos, Hugo e Brenda, durante nossa viagem para o Ceará. Estávamos
aproveitando nossas férias junto de nossos amigos mais próximos. E acabamos por
testemunharmos o fim do mundo a milhares de quilômetros de nossas casas.
Era
pouco mais de meio-dia. Acordamos por volta de seis horas da manhã para
aproveitarmos mais o Sol e o dia. O Sol estava forte e azulado. Aproveitamos a
Praia de Jequitibá durante toda a manhã, compartilhando o espaço com
guarda-sóis, quiosques e espreguiçadeiras. Naquele momento, caminhávamos de
volta para o carro, para irmos almoçar em um Shopping próximo.
Caminhávamos na Avenida
Beira-Mar, uma larga avenida no coração da cidade que, como o próprio nome já diz,
é paralela ao mar. O Sol forte e o céu azul espantaram os moradores e turistas de
suas casas para as praias da cidade. Transeuntes caminhavam, corriam e pedalavam
pelos passeios da Beira-Mar, enquanto outros ocupavam as areias brancas da
praia. Contudo, cerca de meia hora depois, uma enorme nuvem preta
repentinamente fechou o céu e tampou a luz solar, transformando o dia em noite.
-
Credo. Como o tempo virou rápido... – comentei, fitando o céu
-
Então... acho até perigoso entrarmos na água. – disse Helena
-
Concordo. – disse Hugo – Acho melhor voltarmos para o hotel!
Neste instante, fomos
surpreendidos com um grito desesperado de ajuda de uma pessoa, vindo do
interior da avenida. Todos olharam para ver e perceberam ser uma criança de nove
anos de idade sangrando na cabeça enquanto corria de mãos dadas com a mãe, sem
um braço e com o abdômen parcialmente aberto, para o interior da Avenida.
Os
motoristas pararam, estupefatos. Nós igualmente ficamos paralisados diante a
cena de terror. Um rapaz foi ajudar. A mãe desfalecera no chão.
-
O que aconteceu? O que aconteceu?
Naquele
momento, eu, Mariana, alguns motoristas e outros transeuntes correram para
auxiliar garota e mulher.
-
Mons... – tentou dizer a garota. Entretanto, fomos interrompidos por um
estrondo e mais gritos, oriundos da rua que desembocava na Beira-Mar.
Mais
pessoas saíram da dita rua e correram em direção à Beira-Mar, com sangramentos
em diversas partes do corpo e até algumas mutilações. Paralisamos, tamanho o
torpor. “O que está acontecendo?”, me perguntei.
Naquele
instante, contudo, escutamos um assustador grito sobre nossas cabeças. Olhamos
para cima e vimos um enorme ser dracônico, enegrecido, com quatro patas e seis
olhos quadriculares e avermelhados, um par de asas e uma cauda.
-
Que diabos...? – me perguntei, completamente estupefato. Todos no local estavam
congelados, apenas fitando a criatura no céu. Na minha mente, veio a imagem do
Inferno.
Um
grito atrás de nós, oriundo da praia, nos acordou dos nossos devaneios. Viramos
e vimos alguns monstros daqueles atacando algumas pessoas que se encontravam na
praia. O tumulto, naquele momento, tomou conta de todo o cenário.
Saímos
correndo, acompanhando a multidão. O caos reinava no local. Pessoas corriam
desesperadas na direção contrária dos monstros. Algumas pessoas atropelavam as
outras e as derrubavam. Os monstros vinham em nossas direções, galopando em
terra ou sobrevoando pelo ar, atacando quem estivesse no caminho de suas
bocarras. Em pouco mais de dez segundos, a pessoa atacada era completamente
devorada pelos monstros. Outros acabavam e destruíam apartamentos internos,
atacando seus moradores e jogando escombros nas ruas, atingindo quem corria
embaixo.
Em
determinado momento, algumas pessoas acabaram por atropelar Brenda e jogá-la no
chão. Hugo logo percebeu e voltou para ajudá-la. Eu e Mariana igualmente
percebemos a situação e viramos os nossos corpos para auxiliar Brenda. Ela dava
sinais que havia torcido o pé. “Péssima hora para isso acontecer”, pensei
comigo mesmo.
Naquele
instante, porém, as pessoas que corriam atrás de mim e de Mariana nos
empurraram, levando-nos consigo. Tentando forçar a passagem, porém o desespero das pessoas era
maior e lhes davam forças sobre-humanas para nos empurrar para longe de Hugo e
Brenda.
Desesperei
quando vi um monstro aterrissar logo atrás do casal. “Cuidado”, gritei, o mais
enérgico possível. “Cuidado. Atrás de vocês”, gritou uma igualmente desesperada
Mariana. Em vão. Vimos em câmera lenta o monstro bizarro engolir Brenda com sua
bocarra, em um só mordida. Vimos igualmente em câmera lenta Hugo saindo
correndo do local, visivelmente amedrontado. Esticamos nossas mãos na vã
tentativa de ajudar o nosso amigo. Porém, o monstro simplesmente bateu com sua
cauda na perna de Hugo e, antes dele cair no chão, o abocanhou.
Gritamos, desesperados. Aqueles segundos passaram como um século em minha mente. Senti o rosto inchar e queimar. Depois, senti-o ser invadido por uma enxurrada de lágrimas.
O
grupo que literalmente nos carregava nos puxou para o interior de uma
lanchonete, no térreo de um prédio de dois andares. Somadas às pessoas que já estavam
escondidas na lanchonete, éramos vinte e oito pessoas. A maioria estava
desesperada, trêmula ou chorando. Percebi Mariana debulhando-se em lágrimas.
Respirei fundo e controlei minhas emoções – era preciso demonstrar calma e
serenidade para auxiliar minha esposa – e a abracei.
O
choro de crianças inundou o local e logo foi abafado pelos braços protetores de
suas mães.
-
O que está acontecendo? – perguntou uma mulher desesperada. Percebi, naquele momento, que ela
direcionava seu olhar para uma televisão ligada próxima ao teto.
“O
ataque de monstros vindos do espaço atingiram várias cidades pelo Brasil afora.
Temos relatos de ataques em mais de 300 cidades. O Exército já está às ruas
para tentar destruir ou capturar esses monstros. Aqui no Rio, o BOPE lançou uma
incursão contra os monstros, porém ela foi atacada e destruída. Já em São
Paulo, o professor Alexandre Kembrick, da USP, defende que estes monstros têm a
ver com uma antiga profecia indígena e se chama Tahalit¹”.
-
Tahalit... – eu disse, extasiado
-
E... o que faremos agora? – perguntou Mariana, visivelmente abalada e triste
-
Precisamos nos esconder em um local seguro até isso tudo passar. – eu disse
-
E se não passar? Como você pode nos dar a certeza que isso tudo passará? –
perguntou um senhor, dirigindo-se a palavra a mim
Dei
de ombros.
-
Esperança, talvez.
-
E o que planeja fazer? – questionou novamente o homem. – Onde iremos nos
esconder?
- Não sei... precisa... – entretanto, fui interrompido por um estrondo seguido de um forte clarão. Por fim, tudo ficou pesado e escuro.
Acordei
tempos depois. Minha cabeça pesava. Meu corpo doía. Abri os olhos e fitei as
luzes dos postes vindo na direção dos meus olhos. “Impossível”, pensei. “Estava
dentro da lanchonete”. Olhei ao meu redor. Estava com as pernas soterradas nos
escombros da lanchonete, que já não mais existia.
“Mariana!”,
me lembrei. Rapidamente me pus a levantar, retirei – não sem muito esforço –
minhas pernas dos escombros e passei a procurá-la desesperadamente. Porém,
paralisei completamente quando escutei passos próximo a mim. Olhei para o lado
e percebi um Tahalit caminhando nos escombros, procurando por alguma coisa.
Escondi atrás de um escombro. Meu corpo tremia e minha respiração ficava
pesada. Ouvi o Tahalit caminhando lentamente sobre os escombros, procurando sua próxima
refeição.
Para
surpresa minha – e que surpresa! -, escutei tiros oriundos sabe-se Deus de
onde. Os tiros acertaram em cheio o Tahalit, que gritou de dor. Fitei à frente
e percebi um grupo de soldados atirando continuadamente no Tahalit, enquanto
outros correram em minha direção. Puxaram-me pelos braços e me arrastaram,
mesmo que eu estivesse aos gritos que a Mariana estava debaixo dos escombros.
Não adiantou.
Dali
fui levado para a base do Exército na cidade. E assim sobrevivi ao primeiro
encontro com o Apocalipse...
1. Leia-se “Tarralito”.
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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