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Antologia A Magia do Natal: 7x01 (Season Premiere)

Conto de J. Allan Brito
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Sinopse: Eduardo enfrenta um natal solitário enquanto tenta recriar o espírito natalino em seu pequeno apartamento. Em meio à ceia modesta e a uma inesperada conexão com sua família, ele se vê diante de decisões que podem mudar o curso de sua vida.

7x01 - O Natal mais Quente (Season Premiere)
dJ. Allan Brito

O corpo de Eduardo parecia pesar uma tonelada enquanto ele se segurava na barra metálica no vagão do metrô em que estava. No espaço apertado e em volta de tanta gente, era impossível mudar de posição, e a voz robotizada indicava que ainda lhe restavam oito estações de tortura. Se estivesse sentado, se permitiria fechar os olhos por um tempo, mas, nem mesmo o seu corpo, estando completamente desconfortável, conseguiu impedir sua mente de viajar.

Era véspera de Natal, e ele só estava naquela cabine, voltando para casa com o sol ainda no céu — embora apenas por razões meramente ilustrativas; as quatro camadas de roupa eram prova o suficiente do frio que fazia apesar do sol — porque seu chefe tinha lhe concedido o benefício de sair mais cedo. Algo que nunca acontecia. Na verdade, Eduardo trabalhava no mesmo local há mais de três anos, e tinha um total de quinze dias de férias em seu nome. Nada ideal para alguém que trabalhava seis dias na semana, dez horas por dia e ganhava... bom... não o bastante.

Mesmo assim, não era nisso que ele pensava. Eduardo precisou lutar para ser dispensado, e não gastaria um segundo sequer se preocupando com suas condições empregatícias, tema de debates individuais intensos. Não hoje. A ceia de Natal era o que preenchia a sua cabeça. O motivo de ter batido ponto tão cedo, afinal. Ele precisava disso mais que o que ele achava que sabia. E por isso mesmo, já visualizava tudo: ouvia as vozes dos seus parentes se misturando num burburinho nostálgico, a árvore de Natal piscando com os presentes cintilando ao redor de sua base, o gostinho do vinho barato e–

Divagando, precisou se interromper para não se afogar no mar de gente saindo e entrando no vagão onde estava. A sua estação tinha chegado. Se, por um lado, seu braço ganharia um descanso, por outro, ainda havia muito o que fazer para garantir que a véspera de Natal fosse ao menos um pouco como desejava — como sonhava, ansiava, necessitava. Enquanto fazia seu caminho, rápido, atentando para não pisar nas poças de lama que a neve recém-derretida fabricava, parou em frente a uma vitrine de loja. Artigos infantis de todo tipo lhe chamaram a atenção, desde brinquedos até roupas de criança. Imediatamente imaginou o pequeno Manuel em uma daquelas peças.

Ele não podia não comprar.

Na butique, parecia emocionado, o que poderia se confundir com aflição por gastar um dinheiro que faria falta depois. Mas era Natal. Época em que não há preço que assuste nem etiqueta que espante. Saiu então com mais duas sacolas cheias de presentes devidamente embalados, desejando embalar o boleto que viria e mandar pelo correio para algum endereço aleatório. Quando finalmente chegou em casa, seu relógio indicava que tinha cerca de seis horas para fazer do apartamento de dois cômodos (três, se contarmos o vão da escada de incêndio) o ambiente mais acolhedor possível.

Era tradição na família dele, que Eduardo nunca deixou de honrar em todos os Natais que passou naquele apartamento. Era alugado e o senhorio não era fã de pregos estragando o gesso, embora não ligasse para as incontáveis infiltrações que destruíam muito mais que só o gesso, e nem para o aquecedor, mais barulhento e defeituoso que o elevador do prédio. Apesar disso, fita crepe resolveu tudo e, em pouco tempo, ouropel decorava as paredes, guirlandas ornavam as portas, e tudo mais que compunha a atmosfera natalina estava presente, ainda que de forma modesta, nos cômodos do espaço. Quando tudo ficou pronto, Eduardo se orgulhou de si mesmo, e mal podia esperar para que toda a sua família se orgulhasse também.

Para evitar pensamentos melosos antes da hora, decretou que a próxima missão seria dar continuidade à ceia. Ele vinha montando a refeição perfeita há alguns dias, trabalhando pouco a pouco nas escassas horas livres que tinha. A opção do ano foi frango e não peru, mais modesta, mas não deixava de ser uma ave. Muitos pratos sofreram uma mudança ou outra porque o inverno tinha decidido começar mais cedo esse ano — o que significou dinheiro extra gasto com o conserto do aquecedor (sempre quebrado), por exemplo. Porém, nada substituiria a rabanada, feita sempre do jeito que a ele foi passado, quase como uma herança de família. Disso, Eduardo não abria mão.

E foi com o cheirinho adocicado inundando o apartamento inteiro que seu despertador avisou que era hora de se arrumar. Seis da noite. Com o sol ainda no céu. Ele nunca se acostumaria com isso. Minutos passaram e se estenderam enquanto o rapaz esperava com expectativa que o silêncio se quebrasse.

E se quebrou.

A “campainha” tocou e Eduardo praticamente correu para a frente do notebook, mentalmente repetindo um mantra para que a neve lá fora não derrubasse a conexão pela qual ele não pagava pouco. Aceitou a entrada de todos os parentes que iam chegando com menos de um segundo após as solicitações de acesso, seu sorriso aumentando a cada rostinho que via nos quadradinhos na tela, os olhos brilhando e trabalhando duro para reter as lágrimas que sabia que viriam, afinal três anos não eram três dias.

Um “Feliz Natal, meu filho!” se fez audível em um tom inconfundível e, apesar de a imagem ter congelado algumas vezes, ele sabia exatamente a quem aquela voz pertencia. “Estamos todos com muita saudade de você daqui!”, disse sua mãe, acompanhada do pai de Eduardo, que dividia com ela o espaço da câmera.

“F–” Eduardo quis dizer tantas coisas que acabou não conseguindo dizer nada, todas as frases presas na garganta, ocupada lidando com os seus soluços incontroláveis, que diziam muito mais da saudade que sentia da família que de qualquer outra coisa. “Feliz Natal. Feliz Natal, mãe. Pai. Eu amo vocês todos. Ma-Manuel? É o–”

“Diz ‘oi’ para o papai, filho!”. Em outro quadradinho, Eduardo estava prestes a receber o maior presente de Natal que poderia imaginar. A parte mais angustiante de ter tomado a decisão de viajar para tão longe para galgar uma vida melhor para sua família era o fato de que, por causa disso, Eduardo não tinha visto o filho nascer, não tinha festejado com ele os seus três primeiros aniversários, e os marcos da infância do pequeno Manoel eram sempre vistos à distância, sempre com um gosto amargo por não acompanhá-los ao vivo.

“Feliz Natal, papai!” As outras pessoas na chamada ecoaram um “aaawww”, mas Eduardo mal se moveu, envolto em um transe observando o rostinho do filho. Agradeceu a Deus pela imagem não ter congelado, pelo áudio não ter engasgado, por tudo ter sido perfeito naquele segundo em que seu filho falou com ele. Nunca quis tanto abraçar e beijar aquela criança como naquele momento; nunca quis tanto sair correndo, na neve, na chuva, no frio, atravessar o mar, desertos, o que fosse, só para estar lá, com seu filho.

“É... é essa a primeira vez q–”

“É. A primeira vez que ele fala ‘papai’. Para você, assim ao vivo, pelo menos. Aqui em casa, ele fala de você mil vezes ao dia. E–” Interrompida pelo filho, como se soubesse que era ele centro da conversa, a esposa de Eduardo sorriu, como quem diz ‘eu não disse?’.

“Quando você vem para casa, papai?” A criança falou, os dedinhos curtos segurando o microfone do fone de ouvido. Dessa vez, todos na reunião virtual fizeram silêncio absoluto. Todos ali queriam saber exatamente a mesma coisa. Todos sentiam saudades de Eduardo, tanto quanto ele sentia deles.

“...Logo, bebezinho. Logo. Eu prometo.” Em algum momento, o rapaz passou a falar olhando para a câmera desejando que seu olhar chegasse diretamente aos olhos do filho, ainda que Eduardo mal fosse capaz de ver alguma coisa com nitidez, os olhos mais que marejados embaçando completamente sua visão. “Eu comprei presentes para você! Eu tenho certeza de que você vai adorar eles!”, mudou o assunto, rezando para que, no próximo Natal, ele não tenha que comprar roupas com medo de elas não servirem mais no seu filho quando ele finalmente as recebesse. Ele estava crescendo tão, tão, tão rápido que–

“Amor, eu sei o que você vai dizer, mas eu preciso falar isso para você. De novo. Eu sei que você está lutando para conquistar coisas para mim e para o Manuelito, mas, por favor, se você estiver passando por qualquer dificuld–”

“Está tudo bem por aqui, Sofía. Olha–”, ele carregou o notebook para mostrar as decorações do apartamento, a árvore de Natal no canto da sala (que era também o quarto), e a mesa com a ceia e a famosa rabanada em destaque; tudo isso, estrategicamente evitando as manchas de infiltração, a escada de incêndio enferrujada lá fora e o aquecedor claramente desligado, contra a sua vontade, já que estava quebrado “–eu preparei a comida que a gente costuma comer, arrumei o apartamento inteiro. Ficou lindo. Você consegue se imaginar... vocês conseguem se imaginar, aqui, comigo?”

“Eduardo, o seu filho precisa de mais do que imaginação. Ele precisa de você aqui, com ele, e nós precisamos de você aqui, conosco”, falou a mulher, “e eu sabia que não seria fácil ganhar a vida em um outro país. Emprego, moradia, despesas, documentação, preconceito, tudo isso não deve ser fácil de lidar sozinho. Mas nós estamos aqui para você. Não aqui do outro lado da tela. Aqui, na sua casa. De onde você não deveria ter saído.”

“...”

“É por isso que no Natal que vem, nós iremos estar juntos, pessoalmente, em carne e osso. Isso é uma promessa”, a mãe de Eduardo entrou na conversa, determinação aparente em sua voz. “Eu preciso ver você outra vez, meu filho! Nesse computador, só dá para ver o seu rosto e eu sei que você está muito mais magro do que você estava quando saiu daqui.”

“Mãe...”

“Exatamente. Esse ano é um aviso para você. Ano que vem...”, seu pai completou.

“Vocês estão dizendo que–”

“Sim, iremos até aí trazer você de volta! Você está morrendo de saudades da gente, isso está claro! Mas você nunca deixa o seu coração guiar você, Eduardo! É sempre a sua mente, suas responsabilidades, o seu lado racional sempre vencendo, e você não repara que adoece dessa forma.” Dessa vez foi a vez de a esposa dele de suspender a própria fala para evitar lágrimas e respirar fundo para reestabelecer a voz. “Você tem um ano. Um ano. Promete, Eduardo. Para todos nós.”

Um ano.

Era um ultimato difícil de aceitar. Eduardo sonhava em trazer sua família para onde ele estava, não em ter sua família indo atrás dele para buscá-lo. Enquanto a reunião de Natal prosseguia para assuntos menos... quer dizer, com menos emoções fortes envolvidas, a cada olhadela que dava para o apartamento ao seu redor, o coração dele apertava um pouco mais. Em três anos, ele tinha conseguido dois cômodos alugados, um emprego que o explorava, e não tinha deixado de viver contando cada centavo antes de saber qual conta era mais importante de se pagar.

Eduardo não sabia se queria convidar a família dele para passar por isso com ele; e se sua esposa acabasse em um emprego como o seu? Documentação custava dinheiro, como ele bem sabia, então, como ele se sentiria se eles não conseguirem esses papeis e forem obrigados a lidar com o medo de serem expulsos, deportados? Fora todo o estigma do qual até hoje ele é vítima. Era isso mesmo o queria para a Sofía, ou para o Manuelito? Por mais que ele se esforçasse, mais ainda até que o quanto ele já se esforçava, em um ano, ele sabia que não conseguiria mudar suas condições tão facilmente. Não se continuasse ganhando tão pouco quanto ele ganhava e trabalhando tanto quanto ele trabalhava. Sua família merecia mais que isso.

Não mais dinheiro.

Mais dele.

E o quanto antes.

Esse sentimento ficou com Eduardo até os primeiros bocejos começarem a ser ouvidos, sinal de que a madrugada do dia 25 havia chegado, em sua terra natal. Onde estava, o sol ainda estava no céu. Ele nunca se acostumaria com isso. E talvez não tivesse que se acostumar. À altura das últimas despedidas pelo notebook, ele já tinha decidido dar vazão ao seu coração e não à sua mente dessa vez e, alguns cliques depois, estava encarando uma página de checkout de um website de vendas de passagens de avião. Sua família tinha o dado um ano. Mas ele já tinha usado outros três. Ele não queria gastar nem mais um dia sequer do lado errado do hemisfério, e sentindo que estava do lado errado do universo, não quando a possibilidade de desfrutar do Natal mais quente dos últimos anos estava a um só clique de distância.

Checou rapidamente a conta bancária, e o valor que viu o teria deixado desolado a algumas horas atrás, mas agora, ter somente dinheiro o suficiente comprar uma passagem só de ida parecia a melhor notícia que tinha recebido recentemente. Não precisou de estímulo algum para imaginar a cara do filho ao vê-lo entrar pela porta, ao vê-lo pessoalmente pela primeira vez, a cara da sua esposa, dos seus pais, dos amigos que deixou para trás... Sua cabeça até que tentou, mas as vantagens em ouvir seu coração simplesmente eram muitas, indiscutivelmente.

A única coisa com que ele teria com que se preocupar era saber se ainda encontraria alguma sobra do almoço de Natal depois do voo de quinze horas cuja passagem ele tinha acabado de comprar. E essa nem era uma preocupação assim tão relevante, não com a quantidade de rabanada que ele tinha feito e certamente levaria consigo. Dava para dar a volta ao mundo e ainda sobraria, mas até o doce, tão especial, perdia para o gostinho maravilhoso de estar com a família novamente no Natal, que, com certeza, e principalmente por isso, seria de todos o Natal mais quente.

Conto escrito por
J. Allan Brito

Tema de abertura
Jingle Bell Rock

Intérprete
Glee

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima Gisela Lopes Peçanha Paulo Mendes Guerreiro Filho Pedro Panhoca Rossidê Rodrigues Machado Telma Marya

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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