7x05 - Onde não há Pecado nem Perdão
de Mavetse Dionysopoulos
Os dias estavam quentes. Sampa ardia em brasa, por conta do sol. Pancadas de chuva após nuvens carregadas, amenizavam o calor; mas tornavam o dia, para alguns, mais cheios de dificuldades do que para outros. O casal passou o dia andando à procura de um abrigo, para que a mulher desse à luz. Seu nome, Maria.
Ela tem uma pele morena, estatura mediana, sua barriga já está traçada com a linha que anuncia que o bebê irá chegar. Usa um vestido colorido solto de algodão cru, tecido no tear de seus ancestrais, embora seja um pouco pesado; por ser de linha fria, o tecido recai sobre seu corpo de mãe, de forma elegante e harmônica, trazendo frescor. Calça sandálias de couro feitas sob medida, para que seus delicados pés aguentem o calor do asfalto e possa ajudá-la a caminhar. Maria sabe que carrega em seu ventre o Salvador, a luz do mundo. Meses atrás, uma série de presságios e milagres anunciadores firmaram em seu ser, que a semente que trazia em seu ventre é o ungido, um bebê muito especial que trará ao mundo uma nova luz, a luz que pode ser acesa apenas pelo coração. Ante todos os sinais, o último veio na forma de um anjo a anunciar a sua condição de mãe do mundo; por isso mesmo, mãe dos pobres, mãe dos humildes, mãe daqueles que estão doentes, mãe dos que sofrem.
O anunciador não apareceu com asas abertas e resplendentes, mas sim, na forma de um mendigo que lhe pediu comida, com suas vestes rotas e trazendo em seu semblante a luminosidade divina, o dom de Deus de estar entre seus filhos mais amados, gente humilde. Seus cabelos e barba prateados foram iluminados, para que trouxesse àquela que lhe dera o que comer e o que beber, que ela seria a mãe de Cristo.
José, seu marido, recebera em sonho, a anunciação: com fé e resignação. Ele, este homem negro com cabelos encaracolados, espessos e volumosos, que ascendiam para o alto com toda a dignidade de seus ancestrais advindos da África, usava uma túnica crua; os pés fortes estão calçados com alpercatas feitas pelo próprio carpinteiro. Seu semblante sempre calmo e resignado, mas firme e concentrado, carrega belos traços, lábios grossos e bem feitos, nariz largo, sobrancelhas alongadas; sua testa recebe os primeiros firmes cachos que irão elevar-se ao alto como uma coroa; suas mãos são grandes e calejadas pelo trabalho de marcenaria, com uma delas, ele segura seu alforje. Leva suas ferramentas de carpinteiro, pousa a outra mão no ombro de sua esposa grávida, em um gesto de proteção e amor. O casal andou por vários dias, e as casas mais suntuosas e confortáveis, nunca foram abertas a eles. Aqueles que ali residiam não quiseram dar-lhes abrigo. Uns, por não acharem que fosse um casal confiável, os tinham como marginais; outros, pelo próprio egoísmo que traziam dentro de si, ao firmar sua posse e não querer partilhar, não querer dividir, não querer irmanar-se, entregues ao tabu do dinheiro. A cada porta fechada, as contrações de Maria aumentavam e ela lembrava da anunciação do anjo, do húmus brilhante e misterioso que ficou na cuia na qual ele comeu, que foi plantado no chão e de lá nasceu uma videira que cresceu e tornou-se esplendorosa e delicada. Mais um sinal que viria ao mundo: o Cristo.
Continuaram a caminhar por uma Sampa quente, por vezes abafada e chuvosa. Quando caíam as tempestades de verão, um ou outro, com pena de casal, vendo-o abrigar-se debaixo de qualquer marquise, davam-lhe alguma esmola. Havia quem passasse olhando para o casal; ela, com seu vestido colorido, traços indígenas, lindos cabelos negros que adornavam de mais beleza as suas vestes; ele, com sua cor de um ébano que reluzia ao sol. Alguns, olhando de longe, conseguiam enxergar naquele casal, dignidade, resignação, majestade. O bebê, confortavelmente na barriga de sua mãe, protegido pelo líquido quente que o fazia estar em berço materno, por ser o Cristo, o ungido, o Salvador… sabia que, em breve, viria uma pandemia, que muitos morreriam, muitos sofreriam. Ele, o sol invicto em todos os tempos, haveria de aplacar tanta dor.
Após muito caminhar, o casal desceu dos pontos mais altos da cidade para os pontos mais baixos, enfrentou alguns perigos, entrou por vielas e ruas, bateu em algumas portas e, finalmente, chegou à uma humilde casinha, com um jardim na frente e plantas de proteção à entrada da porta. Dali, saiu uma senhora humilde e idosa que, vendo o casal sem ter onde pousar, deu-lhes guarida. A primeira coisa que fez a pobre senhora, depois de alojá-los em um cômodo no quintal de sua casa, foi: descalçou-lhes os pés, pegou uma bacia de água fresca e começou a lavá-los. Jesus, no ventre de sua mãe, sabia que um dia lavaria os pés de Maria Madalena, e seria julgado por isso. Maria, ao pousar as mãos em sua barriga, sentia os pensamentos do filho. Ao toque da senhora em seus pés, previu a frase de seu amado filho. “Aquele que for isento de pecado, que atire a primeira pedra”.
Cristo estava por nascer. Já instalados em um cômodo nos fundos da casa da velha senhora, Maria começou a sentir com mais intensidade as dores do parto, e sua anfitriã cuidou para que ela desse à luz, de forma o mais confortável possível. Maria, então, segurou seu bebê nos braços para amamentá-lo, o aninhou com ternura e, inspirada por um anjo, começou a cantar aquela que seria a sua canção de ninar: “Alguém cantando longe daqui, alguém cantando é bom de se ouvir... Alguém cantando alguma canção. A voz de alguém nessa imensidão. A voz de alguém quando vem do coração, de quem mantém toda a pureza da natureza, onde não há pecado nem perdão”.
Já era noite. Uma estrela despontou brilhante no céu, para anunciar que Jesus nasceu. Ante à toda dor que viria, Ele dormiu embalado na imensidão dos braços de sua mãe… onde não havia pecado nem perdão.
Tema de abertura
Jingle Bell Rock
Intérprete
Glee
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO
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