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O Eleito: Capítulo 04

Minissérie de João Sane Malagutti
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O ELEITO - CAPÍTULO 04






FADE IN:

1.
     EXT/JARDINS DO PALÁCIO/NOITE                              

 

Retomada. MALIK gesticulando silêncio com o corpo por cima de TUTANCAN. Os dois ofegantes em silêncio. TUTANCAN apaixonado; olhares entregues. Trilha: “DEDI” (Penido, Capra & Lobo). Cena parte do baixo se torna crescente.

 

TUTANCAN

Podes me beijar... se quiser.

 

Astuto, MALIK acaricia o seu queixo e sorri.

 

MALIK

Não posso. Já disse.

 

TUTANCAN

Como renegas ao herdeiro real?

 

MALIK

Não sejas um tolo! Um moço tão belo jamais serias renegado! (T) Nem tudo pode o que desejas.

                                        

Breve silêncio.

 

TUTANCAN

Se não podes dar-se a mim, a qual intento serves ao despertar-me esse desejo? Brincas com meu juízo?!

MALIK

Impulso. Foi maior que eu! (T) Tens razão. Não deveria lhe tomar assim.

 

Falso arrependido, MALIK sai de cima dele.

 

MALIK

(Cont’d.) Peço segredo, pois, quem me domina é perigoso e pode me custar a minha vida tal ousadia.

 

TUTANCAN senta-se à altura dele.

 

TUTANCAN

Quem és teu amo no palácio! Conte-me e lhe tomo; ou compro para mim. Serás livre para viver ao meu lado!

 

MALIK

Isso não é ser livre. É continuar preso no mesmo ambiente, só que a servir outra pessoa.

 

Levanta-se e dá alguns passos. TUTANCAN faz o mesmo e o toma pelo braço ficando os dois frente à frente. Ardência e desejo.

 

TUTANCAN

Não sejas limitado! Poderemos nos amar sem culpa! (T) Ou, se desejares ter um segredo, posso me sujeitar a isso. (T) No seu âmago, me ama! Eu sei!

 

O beija. DESFOQUE revela NEVERA a assistir tudo com o olhar ardiloso e sobrancelha arqueada. MALIK o empurra e o príncipe cai de bruços.

 

MALIK

Não há o amor, apenas o desejo! Não és o centro de tudo! E, quanto ao beijo, não devias tê-lo investido. Poderá me custar a vida caso o meu amo descubra. Foi um erro! Vamos nos esquecer. Não quero o levante da ira de meu Senhor.

 

MALIK SAI pelos jardins. Panorâmica.

 

TUTANCAN

(alterado)

Diga-me teu amo! Se, não posso compra-lo, o amaldiçoo para que morra, servo branco! (T) Não és meu, e nem serás de ninguém!

 

Silêncio. TUTANCAN chora baixo. “Dedi” (Penido, Capra e Lobo) NEVERA se aproxima e nota uma ferida de raspão em seu braço.

 

NEVERA

Posso lhe ajudar com os ferimentos, amo?

 

TUTANCAN

Não sou o teu amo! (T) Nada que mereça o seu tempo. Só mais uma marca banal que a vida me causa.

 

NEVERA

(ardilosa)

Sei que vosso bom coração quer preservar o servo. (T) O vi o empurrando! Perdoe-me, jovem amo. Aquele servo vos agrediu!

 

TUTANCAN

Cale-se! (T) O que faço e sofro, segredo de estado é. São as ordens neste palácio. Devias debruçar sobre as ordens reais com empenho. Uma palavra sobre o que viste e tornar-se-á o farto banquete dos chacais. (T) Nada viste e nem ouviste! Compreendes a ordem? Aprendeste o teu lugar, serva?

 

NEVERA meneia a cabeça afirmativamente. Altivo, TUTANCAN SAI pisando duro. Nela, com sorriso ardiloso. Sobe a trilha.


2.
     INT/PALÁCIO/NOITE                                         

 

Música perpassa. MALIK adentra o palácio com passos rápidos sem notar a presença de SHENK por entre as colunas. No mesmo ritmo TUTANCAN ENTRA com lágrimas. SHENK SAI da penumbra e se coloca diante do irmão.

 

SHENK

Fizeste novamente, irmão?!

 

TUTANCAN o observa com desdém.

 

SHENK

(Cont’d) Entendo que sofres a controlar os impulsos, mas és de casta nobre! Podes ter quem quiser em mãos. Até melhores que os servos. (T) Debruce os vossos esforços a encontrar alguém que lhe valha as tuas qualidades. Adianta satisfazer-te com os servos se lhes custam estas lágrimas?!

 

Com o indicador, carinhosamente, recolhe a lágrima Do irmão.

 

TUTANCAN

(ódio/confuso)

O que sabes dos impulsos? Nem eu que os tenho sei! (T) Não lance as tuas virtudes em mim; não somos parecidos! (T) Entenda: as coisas são como são, irmão! (T) Isso; que escorre em meu rosto, é a minha própria rejeição em forma de dor... por ser... como sou. (T) O desejo correspondido trar-me-ia sorrisos aos lábios. Não as lágrimas! É o preço da rejeição.

 

O mede com os olhos. SHENK o olha com compaixão.

 

TUTANCAN

(Cont’d.) Sejas gentil, Shenk. Não me dirijas olhares de compaixão enquanto tua alma sorri com a minha queda. Não sou amado e respeitado, bem sei; como sei que estas serão as gotas últimas que recolherás. Deleite-se enquanto podes, Shenk! Isso acabará!

 

SAI pisando duro.

 

SHENK

(à si/preocupado)

O que fiz para merecer esse ódio?!

 

OMAR(V.O.)

Tu, existe!


3.      INT/TEMPLO DE OSÍRIS/NOITE                                

 

NEMEWÁ senta de frente com OMAR.

 

OMAR

A tua existência nutre o ódio dela! (T) Lembra que um dia foi traída e, ameaça a possibilidade de o filho levantar-se o soberano de Luxor.

 

NEMEWÁ

Não sou o culpado pela situação. Sou o fruto de um passado apenas! (T) O senhor; Pensas como ela?

 

OMAR

Exatamente como ela? (T) Não! Tenho convicções outras, General.

(introvertido)

Anounak era um grande amigo! Nutria à ele, profunda admiração! Quem sou eu para julgar o coração de um amigo? (T) As emoções deixo aos envolvidos, Nemewá. A ganância, de todos vocês, não afeta o que penso sobre os rumos de Luxor. 

NEMEWÁ

Ganância?! Apenas busco justiça! (T) Não disseste de fato, o que pensas sobre a minha desfavorável posição e se poderá ou não intervir.

 

OMAR

A situação não me deixa em condições de respostas, Nemewá. (T) Não se toma decisões e nem se profere as palavras em águas revoltas. O discernimento é precioso nestes momentos.

 

NEMEWÁ

Vossa prudência já respondeu de qual lado seguirá!

(embargado)

O bastardo, que veladamente amou ao pai dia após dia, que doou-se e deu o carinho, mais uma vez cai no limbo.

 

Em OMAR, engole seco.

 

NEMEWÁ

(Cont’d) Por toda a vida mantive o silêncio! Bastasse abrir a boca e a verdade eclodiria. Poupei o meu pai da ser julgado pelo seu erro. E quem teve benefícios em tudo? O meu irmão. À Anthenoken, todo o cuidado! Abraço, carinho e atenção! E ele nem parecia gostar do pai. Eu o amava! Sonhava com o dia em que me abraçarias e me chamaria por filho. O sonho acabou! Agora, isso não mais será possível. Mesmo no leito de morte, sou indigno de reconhecimentos.  Ainda que sejas o primogênito consanguíneo, o apto a herdar o trono! Não posso! E, tu, que sabes dos fatos e poderia interceder renega fazê-lo.

(altera-se)

Porque Anthenoken? O que ele fez por esse reino durante a vida de meu pai?! (T) Meu irmão é uma ruína no seio de Luxor. Uma vergonha! Porque ele e não eu?! PORQUE-NÃO-EU?

 

NEMEWÁ cai de joelhos diante do sacerdote em prantos guturais. OMAR estende a mão sobre a cabeça de NEMEWÁ para acolhe-lo e desiste.

 

OMAR

Levante-se! (T) Não é bem visto um general fraquejar perante o seu povo no momento em que está órfão.

 

NEMEWÁ se levanta e OMAR se coloca de pé diante dele. O fita bem nos olhos.

 

OMAR

(Cont’d.) Esse choro; ou desabafo...

(pigarreia)

... é pelo trono! E nada mais? Olhe nos meus olhos!

 

NEMEWÁ ergue a cabeça. Olhos nos olhos com OMAR. Silêncio.

 

SETNIAK (V.O.)

O trono não é o cerne!

 

NEMEWÁ SAI pisando firme. Em OMAR pensativo.

4.
     EXT/ORÁCULO/NOITE                                          

 

Luz dada pelo fogo do incandescente buraco ornamentado em ouro e pedrarias cravejadas. A penumbra no salão deve ser tênue. Faíscas crepitam conforme a exposição emocional de SETNIAK. OMAR e SETNIAK em embate ameno.

 

OMAR

Se não é; qual a real indignação?

SETNIAK

De que vos adianta os olhos? Não consegues enxergar o escaravelho diante de ti. É questão de alma!

 

SETNIAK caminha em volta do oráculo. Mentem a cabeça erguida, os olhos reviram e ombros mexem como cacoete.

 

OMAR

Dizei-o tu, o que podes ver que eu não posso... O que move Nemewá?  

 

SETNIAK

A pior das energias terrenas que pode consumir e ruir um homem; mesmo digno como Nemewá: o ressentimento, Sumo-sacerdote!

 

SETNIAK para e vira-se para o fogo e abre os braços. Faíscas levantam e estalam.

 

SETNIAK

(Cont’d.) Conviveste com o vosso pai?

 

OMAR

Sabes que sim! O conheceu!

 

SETNIAK

Olhe para si, através das lembranças do homem que lhe criou. Compreendes o que falta e move o ressentimento?

 

Sorri inconformado. OMAR hesita um pouco antes de responder.

 

OMAR

Nemewá e Anthenoken receberam a mesma educação, a mesma atenção e os mesmos estudos para as filosofias, saúde, artes e guerra. Ingrato! (T) Deverias reconhecer os esforços e os riscos que o nub correu em mantê-lo perto.

SETNIAK

Esforços?! (T) O que um teve demais o outro nada teve. Coloque-se no lugar do menino Nemewá. Sabia que era filho do Faraó e teve que guardar o segredo mortal sobre o pai, para que o mesmo não perdesse o trono. Dormiu e viveu a vida toda sem o conforto que lhe era direito, feito um qualquer fora desses muros, quando, a verdade lhe daria as regalias que tu, eu e todos do entorno real usufruem.

 

OMAR baixa a cabeça envergonhado.

 

SETNIAK

(Cont’d.) Era um menino! Um menino! Não bastasse isso, ainda, velava por Anthenokhen, quem recebia os louros em família. Cresceu amigo do irmão e se manteve ao lado dele e do próprio pai, ignorando os próprios desejos de ser acarinhado e amado pelo pai sem poder chamar ao irmão de... irmão. (T) Agora, enxerga a força que teve esse menino, além de suportar o abandono em vida?

 

OMAR

(altera-se)

Abandono? Insisto! O nub o educou sob seu teto. Deu-lhe a mais alta patente de seu reino! Mesmo na iminência de ser descoberta a traição! Um general! Anounak o fez o mais importante homem de Luxor. Um general!

 

SETNIAK

(alterado)

Um cargo! (T) Um maldito encargo aos caprichos do Faraó. O jovem cresceu defendendo o que deveria ser seu por direito! (T) Agora que ele deseja o reconhecimento como filho, as pessoas querem lhe calar a identidade? Roubam o direito de ser quem o é!

 

OMAR

Isso é uma besteira! Quando passar esse sentimento movido pela perda do pai, vai se envergonhar de tudo o que foi dito e feito. (T) Perceberá que colocou em risco até mesmo a única coisa que o pai lhe deu: o seu posto!  

 

SETNIAK

(incomodado)

Repito! Não consegues enxergar mesmo tendo dois perfeitos olhos. (T) Essa insistência em mantê-lo general e a cuidar do que é seu para que o outro desfrute... (T) Pense, Omar! Coloca a paz da família em risco. E de todos os que habitam sob esse reinado. Já não basta terem incriminado e matado a mãe do rapaz?! (T) Queres tu, tirar o juízo de Nemewá?!

 

OMAR

E, tu, queres tirar o meu?! (T) O passado está morto, Setniak. Assim como o nub! Devemos focar num futuro estável para Luxor. O que pode ser mais importante agora que o poder?

 

SETNIAK

As pessoas! Pessoas com pensamentos saudáveis validam o poder. (T) Já o orientei há dias! Não mexas no que não lhe pertence. Deixe que a vida siga o seu fluxo.

(sombrio)

Nada pode barrar as forças das águas, como nada pode mudar o destino! Vigie para onde o rio flui, sacerdote; só assim evitarás que transborde muitos acontecimentos.

 

FX: Água corrente. Em OMAR preocupado. Suspense.

5.
     EXT/RIO NILO/DIA                                          

 

Voo panorâmico sobre o Nilo com embarcações até à uma encosta. Imagens através do vapor subindo. Escravos, dentre eles, os beduínos capturados, erguem as pedras que formam uma barragem. Utilizam de ferramentas de madeira, aparatos e engenhocas para a locomoção das gigantescas pedras. Tudo rudimentar. Cansaço e dificuldade. Trilha Sonora Instrumental. Guardas observam o movimento. ZOOM IN: NEMEWÁ no alto de um monte observa tudo. NELE, pensativo.

6.
     INT/SALÃO DO TRONO/DIA                                    

 

Extensão da trilha sonora. Pensativo, queixo debruçado na mão, ANTHENOKEN, ao trono, têm olheiras; está abatido.

 

ANTHENOKEN

(resmunga)

Sempre o melhor em tudo: Nemewá!

 

Revoltado, aperta as mãos no trono e revira o pescoço.

 

INT/SALÃO ESTUDANTIL/DIA - FLASHBACK

 

Crianças produzem escritas nos papiros. O tutor agrada apenas uma das crianças que estão sentadas em dupla à bancada. Trata-se de NEMEWÁ. DESFOQUE: fora dos mimos, ANTHENOKEN, enciumado.

 

EXT/ARENA/DIA - FLASHBACK

 

Crianças lutam com espadas de madeira. Estão divididas por duplas e, para cada dupla, tutores/soldados como mentores. CAM passeia pela arena e revela pequenos lutadores. ANOUNAK, mais

jovial, assiste. A CRIANÇA#1 derruba ANTHENOKEN e parte para cima. NEMEWÁ intervém e joga a CRIANÇA#1 para longe. NEMEWÁ ajuda ANTHENOKEN a se levantar. DETALHE: mãos unidas. TUTOR#1 pega NEMEWÁ pelo braço com rispidez. ANOUNAK intercede.

 

ANOUNAK

Solte-o! A voracidade desse bravo me apetece!

 

Faz gesto com a cabeça para que TUTOR#1 se afaste. Abaixa-se para falar com NEMEWÁ.

 

ANOUNAK

(Cont’d.) Gosto de como cuida das pessoas. Ainda mais de seu... seu...

 

Em NEMEWÁ com olhos esperançosos.

 

ANOUNAK

(Cont’d.) ...seu amigo; o meu filho! (T) Por cuidar do príncipe, um dia, retribuirei à altura pelos préstimos. Se surpreenderá. Tenho certeza!

 

NEMEWÁ abaixa a cabeça triste. ANOUNAK e ANTHENOKEN se dão as mãos (SLOW-TMOTION/DETALHE nas mãos). Seguem para arena afora. NEMEWÁ catártico têm lágrimas. ANTHENOKEN olha para trás, com compaixão. ANOUNAK o puxa e seguem. Lágrimas de NEMEWÁ.

 

ANTHENOKEN (V.O.)

Ele é fraco? Está chorando!

 

ANOUNAK (V.O.)

Não. Ele é um bravo! Homens não choram, filho. Mas, quando derramam lágrimas, é por gratidão ou...

 

RETORNA À CENA:

 

INT/SALÃO DO TRONO/DIA

 

DETALHE: Mão de ANTHENOKEN segurando o braço do trono com força.

 

ANOUNAK (V.O.)

...Ou, por ira.

 

ANTHENOKEN

Eis o que me consome!

(ao longe)

Esteve sob os meus olhos a vida toda e não vi. Protegia-me sonhando em tomar o meu lugar. (T) Minha idolatrada mãe tentou me abrir os olhos. E, por mais que me doa, eu não consigo acreditar que ele seria tão vil! (T) Não depois de tudo o que vivemos!

 

Ventania derruba as coisas e leva o ornamento de cabeça. Tenso, lacrimeja. Suspense.

7.
     EXT./MARGENS DO NILO/DIA                                  

 

Contra a ventania, MALIK, sorrateiro, aproxima de NEMEWÁ.

 

NEMEWÁ

(ríspido)

Não deves andar livremente como se assim o fosse. Nem quero que o vejam próximo a mim.

 

O pega pelos braços, olha sorrateiramente para todos os lados e o arrasta para trás de uma tenda com camelos por perto.

 

NEMEWÁ

(Cont’d.) Espero que o motivo pelo qual se arriscou seja valoroso.

 

MALIK

(direto)

Aceito a tua proposta!

 

NEMEWÁ

(enigmático)

Sábia decisão, beduíno! Sabia decisão!

 

MALIK

Mas, com uma condição.

 

NEMEWÁ desfaz as feição. MALIK o encara seriamente. Suspense.

8.
     INT/ORÁCULO/DIA                                          

 

Suspense. SETNIAK conversa sozinho e sorri.

 

SETNIAK

Tão sombria as intenções dos homens! (T) Tudo pode-se evitar se colocar à luz da verdade! (T) Omar não é o raso que parece! Têm razões para acreditar que é só o poder que importa a todos! (T) Não está errado! Também não pode ser só isso. O destino deve ter outros motivos para tramar fios familiares. (T) Só vejo os fios emaranhados!

(sombrio)

A verdade! Quero a verdade! Existe um eleito pelo destino; não consigo ver a sua face. Tudo o que vejo é sangue!

 

Bate o cajado no chão, abre os braços e o fogaréu sobe. CAM o focaliza por através das falhas das labaredas. Suspense.

 

SETNIAK

(Cont’d.) Osíris que tudo sabe! Ptá que nos deu a origem de tudo! À vós ofereço o grande sacrifício se preciso for pela verdade. (T) Revele-me tudo! Revele-me o eleito!

 

SETNIAK joga folhas secas ao oráculo. Balbucia algumas palavras inaudíveis. Respira fundo a fumaça que sai em círculos das labaredas e entra pelo seu nariz e aos poucos contorna o seu corpo como se o tirasse do chão. Explosão de luzes saem de suas vestes e de seus olhos. Edição dá um tom místico à cena. SETNIAK começa a tremer o corpo. Se engasga. Lágrimas começam a escorrer. Choros e gritos de dor.

 

SETNIAK

(Cont’d.) Não! Não! (T) Clemência aos soberanos, deuses! Por que há de ser assim? Não! Não!

 

Brada o último “Não” antes do desmaio. Luzes se amenizam e apenas uma pequena labareda no oráculo. TRAVELLING IN: no corpo desfalecido. Aumenta o tom de suspense.

9.
     INT/RUAS/DIA                                             

 

Suspense. MALIK anda pelas ruas da cidade e observa tudo. Sem denotar que percebe, alguém o segue. A maior parte da cena é conduzida pelo POV do perseguidor. Dado momento, MALIK para numa barraca e finge puxar papo com o vendedor. O perseguidor, veste trajes de servo e tem a mão à altura do rosto com pedaço de sua toca árabe tampando a face (que não deve ser revelada). MALIK retoma o caminho e vira-se para trás, o perseguidor abaixa-se atrás de uma barraca. MALIK coça a cabeça e segue.

10.
    INT/CASA DE NEMEWÁ/DIA                                   

                                 

“Dedi” (Penido, Capra e Lobo). Porta se abrindo revela NEVERA que entra e passa a mão pelas coisas da casa com carinho. Tem os olhos cheios de lágrimas.

 

INSERT: MEMÓRIA DE UMA AÇÃO NAQUELE LOCAL (FLASHBACK)

 

Luz diferente. NERFIRI cozinha feliz. NEVERA a abraça com sorriso e joga farinha na irmã. NERFIRI devolve e vira uma guerra de farinha. “Pega-pega” entre elas até caírem. Riem da brincadeira, uma em cima da outra.

 

FX: Porta batendo.

 

RETORNA À CENA

 

INT/CASA DE NERFIRI/DIA

 

NEVERA de costa (close) enxuga as lágrimas, sem revelar quem está no ambiente.

 

NEVERA

(com carinho)

Jamais a esquecerei. Foi-se tão cedo! No âmago sabia que aquela era a nossa última vez juntas!

 

Enxuga o choro novamente com as costas da mão.

 

ANTHIEPT (V.O.)

Parece que a passagem sem despedida é, de fato, a mais dolorosa.

 

NEVERA se vira assustada e dá com ANTHTIEPT. Tensão.

 

NEVERA

Clemência soberana! Sei que deveria estar no palácio; vim apenas...

 

ANTHIEPT

...Se despedir e reviver os momentos com alguém que se foi. Eu ouvi! (T) A culpa é um doloroso fardo. Acredite; disso eu sei! (T) A quem dedica essas lágrimas?

 

NEVERA

(mente)

À Minha... amada... mãe!

 

ANTHIEPT

Quando o amor morre, um vazio nos faz perder o juízo e faz com que passamos a buscar a pessoa em qualquer lugar; às vezes, parece que falam conosco.

(olhar alucinado)

Como se assoprassem palavras, aqui, nas orelhas. Eu ainda posso ouvi-lo!

 

Toca os objetos sobre a mesa empoeirada e esfrega os dedos para limpá-los. Se direciona a um banco mais ao canto.

 

ANTHIEPT

(Cont’d.) Anounak morreu e ainda não o sepultamos. Há dias que esse ritual infindável de preparação se estende! (T) Quanto maior o preparo, maior a tormenta! Tenho vontade de às vezes voltar no tempo e...

(arrependida)

Fazer tudo diferente! (T) Enfim, Não posso intervir no ritual; sempre foi assim! (T) Tua mãe, partiu à muito?

 

NEVERA olha discretamente para a faca sobre a mesa. Suspense maior.

 

NEVERA

(mente)

Não... muito.

 

ANTHIEPT

(Insiste)

Como foi a passagem?

 

NEVERA, em surto, agilmente pega a faca e voa sobre a rainha ficando-a no pescoço. Suspense maior. Aterrorizada, olha para as mãos cheias de sangue, chora e ri, num misto de loucura. Olha o corpo da rainha em seus últimos suspiros ao chão.

 

ANTHIEPT

(com eco)

Está me ouvindo?!

 

Em NEVERA ofegante. Estática onde estava. A cena remete que foi imaginação.

ANTHIEPT

(Cont’d.) Está fora de si! Passei por isso; sei que não é simples se livrar de alguns sentimentos. (T) Do mesmo modo que me acolheu quando perdi o juízo, hoje, eu a retribuo. Vamos!

 

Meneia a cabeça afirmativamente. Se curva em reverência para a rainha. ANTHIEPT ruma à porta e vê (POV) um escudo encostado próximo à um móvel. Tensão.

 

ANTHIEPT

(Cont’d.) Não me disseste ter alguma relação com alguém de nosso exército.

(desconfiada)

Perguntarei uma única vez e quero a resposta sincera. (T) Alguém de tua família serve aos comandos do General Nemewá?

 

Tensão. Acuada, NEVERA tenta responder, mas perde a voz.

 

ANTHIEPT

 (Cont’d.) Mentes para mim?

 

NEVERA abaixa a cabeça e respira fundo.

 

NEVERA

(mente)

Sinto-me envergonhada!

 

ANTHIEPT a olha com severidade.

 

NEVERA

(Cont’d.) Não me era de conhecimento que servos e membros do exército não se misturam. Se desejas, renego ao amor que sinto pelo jovem.

 

ANTHIEPT a mede de cima embaixo desconfiada. SAEM. Assim que a porta se fecha ZOOM IN no escudo.

11.
    EXT/ARENA/DIA                                            

 

Abre no escudo de algum soldado levando uma pancada. Homens treinando com diversas ferramentas e escudos.

 

NEMEWÁ

(imperativo)

Basta! (T) Estão ávidos como sempre.

 

Os soldados encerram o treinamento e caminham para ele formando um corredor por onde caminha em discurso.

 

NEMEWÁ

(Cont’d.) Todos sabem que em breve, sepultaremos o nosso... nub.

 

Se desliga por alguns segundos e respira fundo. Tenta esconder o embaraço. Embargado e com o olhar distante:

 

NEMEWÁ

(Cont’d.) Mudanças virão e serão imediatas! Tão breve do sepultamento, o eleito deverá assumir o trono. Seja ele legítimo ou não. (T) Enquanto oriundos deste chão, com a honra e o brio que sempre tiveram, deverão cumprir com as vossas obrigações e se manterem fieis como sempre foram.

(pesaroso)

Haverá muitas batalhas pelo caminho: os Hicsos, os estrangeiros nômades e, a gana dos soberanos do Delta do Nilo que sonham em usufruir de nossa fama e prosperidade. (T) O futuro herdeiro deverá estar atento a tudo! (T) Sei que tempos árduos nos aguardam. Não sei em que o futuro resultará. E, não sei se continuarei a caminhar aqui...

 

Alvoroço entre os soldados falando atropeladamente.

 

NEMEWÁ

(Cont’d.) Homens! Homens! Ouçam o que vos digo.

 

A ordem se restabelece.

 

NEMEWÁ

(Cont’d.) Vós; caminheis comigo desde que meu p... o nub... deu-me o posto de General; ouçam não com os ouvidos, mas com as vossas almas.

(emocionado)

A todos os que depositam a confiança em mim, peço: se um dia eu sumir, me procurem e honrem o meu nome. (T) E, batalhem por mim; defendam-me quando caluniarem ou tripudiarem o meu nome e o meu corpo, pois quando o ocorrer, não estarei vivo para me defender.

 

CAM passeia por soldados apreensivos enquanto NEMEWÁ discursa.

 

NEMEWÁ

(Cont’d.) Sabem quem sou; sabem do meu coração e da minha conduta. Não se deixem turvar pelas mentiras que possam insurgir contra mim. (T) Até o homem mais leal e honesto cultiva os inimigos sem mesmo que o saiba. (T) E, quando o poder bate à porta, é que decepcionamos ao descobrir a traição. (T) Espero que estejam comigo quando o pior acontecer? Não me peçam para explicar, pois o que sinto não se explica. No âmago sinto que algo acontecerá, em breve, na transição!

 

Alguns homens preocupados. Outros caminham de braços abertos em direção à NEMEWÁ como apoio.

12.
    INT/REFEITÓRIO REAL/DIA                                    

 

ANTHIEPT e ZAHRA em tom de segredo.

 

ZAHRA

(eufórica)

Tentei vos abrir os olhos sobre es/

 

ANTHIEPT faz um gesto com a mão e ZAHRA se cala imediatamente.

 

ANTHIEPT

Pode ser que seja, como pode ser que não seja alguém da confiança dele.

(distante)

Me parece uma mulher tão forte e tão confiante que algo em mim renega que possa haver algo sujo nela.

 

ZAHRA

Insisto! Ela aproveitou de vosso momento de fraqueza!

 

ANTHIEPT

Não é hora de olhar para trás. (T) Aqui, até as pedras ouvem. Devemos abrir os olhos e acompanhar de perto cada passo dela à partir daqui.

 

ANTHIEPT e ZHARA ficam em silêncio absortas em pensamentos. Os serviçais ENTRAM com bandejas de comidas e bebidas. DESFOQUE revela NEVERA escondida observando as duas. Suspense.

 

NEVERA (V.O.)

A rainha entendeu tudo!


13.
    INT/JARDINS/DIA – PÔR-DO-SOL                             

 

NEVERA e NEMEWÁ frente a frente.

 

NEVERA

Ela é sagaz! Viu o seu escudo em casa.

NEMEWÁ

(irritado)

Vos pedi que não se envolvesse nos planos! O que tinhas que ir até em casa? És teimosa como minha mãe e vejas como a pobre terminou!

 

NEVERA

Foi por ela que estive lá.

(emocionada)

Precisava sentir o cheiro dela. Aos poucos parece que Nerfiri se apaga de minha memória. Não posso deixar que isso aconteça!

 

NEMEWÁ

(brando)

A mim, ela faz muita falta. Contudo, devemos seguir sem ela. (T) Quanto à rainha, sabeis que ela a vigiará de perto. Me encontrar aqui já lhe é um risco para a vida!

 

NEVERA

Disse-a que amo um homem do exército. Se nos virem, minta! Alimente esse amor inventado, meu sobrinho!

 

NEMEWÁ

Pode ser! Ou então, em hipótese pior, assuma outro nome falso e me renegues para sobreviver. Ela não a deixará viver se souber de nossa proximidade, ainda mais se descobrir o parentesco.

 

NEVERA

Se morrer tentando lhe dar o que és teu e mereces, já terá valido todos os meus esforços.

 

Segura o rosto de NEMEWÁ e beija sua testa.

NEVERA

(Cont’d.) Não se esqueças do que lhe falei sobre o jovem. Não esqueça de colocar o plano em ação.

 

NEMEWÁ

Já está em andamento! Em breve saberás os desdobramentos!

 

Se despedem com um gesto e cada um vai para um lado. Suspense.


14.     INT/CORREDOES DO PALÁCIO/DIA - ENTARDECER                 

 

SHENK e ZAHRA.

 

SHENK

Passou o dia introspectivo. Chorou algumas vezes, conversou sozinho. Saiu neste momento para ir ao ritual. O que está acontecendo com ele?

 

ZAHRA

Muitas coisas! Medo, insegurança... É o pai que ele enterrará e mudará tudo o que viveu até hoje. Ao assumir Luxor o peso de toda uma História lhe cairá às costas. Vele por teu pai, filho!

 

SHENK

Compreendo. (T) Mãe, Tutancan não está no palácio. Temo que esteja ap/

 

ZAHRA

Deixe-o. Não podes controlar o seu irmão. Nesse momento, quanto menos problemas houver por perto, melhor! Evite o confronto direto. Sejas tu, o mais sábio de meus filhos. Ouça a tua mãe que muito te ama!

 

Acaricia a face de SHENK. Suspense.


15.     INT/CASA ABANDONADA/DIA                                   

 

TUTANCAN com as roupas decomposta pelo corpo está na posição de passivo por debaixo de MALIK nu. Caem exaustos sobre uma cama de sacas de levedo.

 

MALIK

Sabia que me seguiria até aqui.

 

TUTANCAN

(feliz)

Impossível! Me disfarcei bem! Não teria como sab/

 

MALIK

Foi arquitetado para estarmos aqui!

 

TUTANCAN desfaz a feição de felicidade.

 

MALIK

(Cont’d.) O príncipe deveria ser mais prudente. Compreendi que és escravo de teus desejos e, eles, ainda vão leva-lo à ruína.

 

TUTANCAN

(apreensivo)

Como assim?! O que dizes?

 

MALIK

Nada! Só me abrace. (T) Aproveitemos o momento para vivermos o desejo que nossos corpos sorvem de nós.

 

MALIK beija o pescoço de TUTANCAN que aos poucos vai cedendo da preocupação ao desejo. Suspense.


16.     INT/TEMPLO DE OSÍRIS/DIA - ENTARDECER                     

 

Faixas de linho embebidas em resina são enroladas ao corpo de ANOUNAK. ANTHENOKEN observa tudo ao lado de OMAR. NEMEWÁ ENTRA e desconfortável, ANTHENOKEN, se levanta e coloca-se frente a ao General. OMAR fica apreensivo.

 

ANTHENOKEN

Não és bem-vindo diante de meu pai.

 

NEMEWÁ

(embate)

Nosso pai! Não podes apagar o que o é para mim. Não me importa ver o corpo embalsamado. O Ká já caminha à Osíris.

 

ANTHENOKEN

Se não faz questão do ritual, diga o que o traz até aqui e saia!

 

NEMEWÁ

Vim avisar que seu servo preferido, o branco, foi visto na cidade seguido por um homem até a casa abandonada do entreposto agrícola. Dizem as línguas que pode ser vosso filho mais novo!

 

ANTHENOKEN, baqueado, procura apoio. NEMEWÁ lhe estende a mão (DETALHE) e ANTHENOKEN se apoia.

 

ANTHENOKEN

Quero discrição! Resgate-os e tragam-nos aqui. Não quero alarde com o meu filho e o servo! Sabes o que digo.

 

NEMEWÁ

Seu segredo está guardado. Temes que seja o teu filho com o servo, eu sei. Use a coragem e veja por si, para ter certeza. Desta vez não lhe acatarei.

 

ANTHENOKEN solta a mão de NEMEWÁ com agilidade.

 

ANTHENOKEN

É uma ordem Real, General!

NEMEWÁ

Não cumprirei. Problemas familiares se resolve em família e, pelo visto, não sou nada pra você. (T) Servi ao nosso pai, me submetia a ele. Sabes bem que não é o herdeiro, assim, nada comanda. Vós, que sois o pai do moço e, o dono do beduíno, aja com a discrição que ordenaste.

 

Vira-se e SAI. OMAR apreensivo. Tensão.


17.     INT/CASA ABANDONADA/DIA-ENTARDECER                        

 

Clima de desejo entre MALIK e TUTANCAN aos beijos e carícias sexuais. Dado o momento TUTANCAN vira-se de costa e MALIK o possui sexualmente. Do nada, os soldados entram e TUTANCAN se assusta tentando se encobrir. MALIK se afasta com as mãos para o alto enquanto TUTANCAN veste a roupa de servo com a toca.

 

TUTANCAN

Virem-se, não quero que vejam-me nu!

 

Os soldados se afastam. ANTHENOKEN ENTRA com lágrimas e feição de desgosto. TUTANCAN fica estático com a presença do pai.

 

TUTANCAN

(enfrenta)

(Cont’d.) Porque essa decepção? Sabes como sou! Deste ordens dos segredos sobre as minhas ações e agora queres/

 

Tapa. Novamente, ANTHENOKEN com as costas da mão desfere outro tapa e revira TUTANCAN que cai sobre as sacas. Em TUTANCAN irado e com sangue a escorrer dos lábios. Tensão.

 

CORTA PARA O:

 

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P R Ó X I M O   C A P Í T U L O


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Minissérie de
JOÃO SANE MALAGUTTI

Elenco
ANNANOUK ANTHIEPT ANTHENOKEN NEMEWÁ NERFIRI NEVERA ZAHRA TUTANCAN SHENK SETNIAK OMAR MALIK
Tema MAKTUB Intérprete MARCOS VIANA

Direção
ANDERSON SILVA

Produção
BRUNO OLSEN


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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