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O Eleito: Capítulo 05

Minissérie de João Sane Malagutti
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O ELEITO - CAPÍTULO 05






FADE IN:

1.      INT/CASA ABANDONADA/DIA-ENTARDECER                         

 

Retomada. TUTANCAN vira-se e olha incrédulo para ANTHENOKEN. Limpa o sangue com intensidade e ódio. Tensão.

 

TUTANCAN

Porque o fizeste?

 

ANTHENOKEN encara os soldados. Eles SAEM de cabeça baixa. MALIK ameaça SAIR. ANTHENOKEN o segura pelo punho. MALIK o olha com receio.

 

ANTHENOKEN

(à Tutancan)

Ultrapassaste todos os limites!

 

TUTANCAN

Quais? Nunca me deste!

    

Breve silêncio. ANTHENOKEN tenta se controlar.

 

ANTHENOKEN

Os meus servos, assim como os demais não são seus brinquedos para saciar os seus prazeres pessoais.

 

TUTANCAN

Quem deverá saciar-me se não posso usufruir dos empregados?

ANTHENOKEN

Com todos! Com a restrição aos meus servos pessoais.

 

Caminha até ANTHENOKEN e ficam face a face.

 

TUTANCAN

Porque? O que tem eles de especiais?

 

ANTHENOKEN engole seco.

 

TUTANCAN

(Cont’d.) E, esse?! Porque do nada o estrangeiro entrou em nossas vidas, meu pai?

 

ANTHENOKEN

(mente)

São peças desse tabuleiro de poder!

(desconversa/firme)

Em poucos dias o cortejo de seu avô deverá se realizar e subirei ao trono. Não quero os seus escândalos no meu entorno. Não posso ser visto como um nub enfraquecido pelos familiares.

 

ANTHENOKEN adianta a face ao do filho na tentativa de intimidá-lo. TUTANCAN ergue o queixo para encará-lo. Tensão. ANTHENOKEN vira-se e dá alguns passos para a saída acompanhado por MALIK.

 

TUTANCAN

Poderás subir como Nub...

 

ANTHENOKEN para sem se virar.

 

TUTANCAN

(Cont’d.) Talvez, nem fique, meu pai. E, com a ressalva de que nunca será lembrado como o grande soberano de Luxor, como o faraó que foste o teu pai!

ANTHENOKEN SAI irritado. MALIK dá uns passos, olha para trás como quem quisesse ficar e segue de ANTHENOKEN de vez. TUTANCAN em silêncio, senta-se nas sacas e acaricia o machucado com o olhar distante e introspectivo.


2.      INT/REFEITÓRIO/NOITE                                      

 

Tensão. Coisa jogadas ao chão no ímpeto da fúria de TUTANCAN.

 

TUTANCAN

Quem ele pensa que é?

(arfando)

Não pode simplesmente coibir os meus desejos e escolher com quem devo ou não me deitar! Não pode! Não pode!

 

ZAHRA indo ao encontro dele.

 

ZAHRA

Acalme-se, filho! Os limites são importantes. Ainda mais para nós que somos a família do sucessor ao trono. Você, deve vestir-se com a moral.

 

A encara.

 

TUTANCAN

Qual moral?! Aqui, tudo é uma grande mentira! (T) A moralidade que se põe à mesa não é o prato principal com a verdade fácil de se engolir!

(com escárnio)

Você nem o ama! Casou-se com a vida que ele pode lhe dar. Se sujeitou e a essa vida. Se anulou enquanto mulher. És apenas o adorno ao qual ele usa ao bel prazer. Posa como uma esposa de araque que ele sequer tem o capricho de ostentar e reconhecer como dele!

 

SHENK, da porta, observa à distância.

ZAHRA

Ele sem foi presente à mim. O que sabes do amor, Tutancan? Vives de prazer, apenas. (T) Teu pai está certo! Inibiste o teu bom senso!

(indignada)

A culpada é tua avó! Ela alimenta as tuas fantasias e encobre as suas vulgaridades e temeridades.

 

TUTANCAN avança pra cima dela devagar e a ameaçando.

 

TUTANCAN

Não fale assim dela! Eis, de todas as que aqui estão, a pessoa mais lúcida, a mais sensata e a mais honesta!

 

ZAHRA

Pensei que fosse! (T) Estive cega este tempo todo! Abra teus olhos! Ela o envenena e lhe manipula através desses comportamentos. Fuja disso! Não seja o que ela quer. Seja tu mesmo!

 

TUTANCAN

Não! Não ouse maldizê-la!

 

Empurra ZAHRA com força desmedida que CAI sobre as coisas fazendo grande barulho e corta a testa. SHENK ENTRA e avança para cima de TUTANCAN. Os dois se embolam confusamente e param repentinamente. PUNHAL (detalhe). Abre o plano e revela TUTANCAN com o punhal a um fio do nariz de SHENK.

 

SHENK

(ofegante)

Não a toques novamente ou este punhal virar-se-á contra ti.

 

TUTANCAN

Faça o que quiseres comigo! Agora!

 

Lentamente abaixa o punhal e o oferece.

TUTANCAN

(Cont’d.) Faça-o bem! Ao contrário, farei em ti sem remorso algum.

 

SHENK olha o punhal e encara TUTANCAN. ZAHRA no DEFOQUE.

 

SHENK

(enojado)

O que te tornaste? Quando foi que deixamos de ver como se constituía nessa pessoa amarga e desajustada!

 

TUTANCAN

(sorri desajustado)

Nunca me enxergaram. A solidão foi a minha dor e companheira. Se sou como sou, foi o abandono e as vossas costas de irmão mais velho que encontrei. Agora, sou o que me tornaste, Shenk. Sentes o remorso ou orgulho?

 

Rápido, SHENK pega o punhal e o coloca frente o nariz do irmão.

 

TUTANCAN

Precisas pôr fim ao meu sofrimento!

(choro sincero)

Não vire-me as costas. Se pensas que falta-me o juízo crava-me o punhal. Ajuda-me a acabar com isso de vez!

 

Lágrimas. Abre os braços esperando. ZAHRA abraça SHENK por trás e aperta o seu punho. Ele solta o punhal e olha para a mãe com lágrimas.

 

ZAHRA

Não és fraco e nem um assassino! Vamos sair daqui. (T) Deixes que teu irmão repense o peso das péssimas escolhas. (T) Não te iguale ao que te fere!

 

SHENK com lágrimas nos olhos abaixa a cabeça e SAI acolhido

sob os braços da mãe. TUTANCAN começa a chorar.

 

TUTANCAN

(chama)

Mãe, e... eu?!

 

ZAHRA e SHENK param e olham.

 

TUTANCAN

(Cont’d.) Shenk não é o único! Eu também preciso de abraço.

 

ZAHRA

(contida na revolta)

Peça à tua avó! Anthiept é quem gosta dos malfeitos!

 

Puxa SHENK e o beija a testa. Fita TUTANCAN com ódio. SAI sob o apoio de SHENK. CAM realiza um LOOPING 360º para o alto sobre TUTANCAN caindo de joelhos em choro gutural.


3.      INT/FONTES LAVATÓRIO/NOITE                                

 

TRAVELLING. ANTHENOKEN face a face com MALIK.

 

ANTHENOKEN

(ira contida)

Como pudeste? Traiu-me a confiança com o meu próprio filho. Sangue de meu sangue! És meu! Para meu deleite!

 

MALIK

Sou vosso servo. Usa-me como achas que deve por ser o teu escravo e vós o meu senhor. Mas, não há sentimentos envolvidos, portanto, não o traio. O garoto me faz homem, deixa-me que me sinta como a natureza me fez. Vós não permite que eu lhe toque sequer os glúteos macios que bem vejo que vos têm!

ANTHENOKEN

(confuso)

Devia lhe tornar um eunuco, agora! (T) Contudo, temo me arrepender de perder algo!

(suspira o pescoço)

E... Não consigo resistir a este aroma de homem do deserto!

(contemplativo)

Essas coxas torneadas!

 

Toca a coxa dele MALIK e sobe para o membro. Com medo, solta. MALIK pega a mão de ANTHENOKEN e a leva de novo.

 

MALIK

Alguém precisa saber que és a MINHA mulher?

 

Abaixa-se submisso e toca as pernas de ANTHENOKEN massageando-as com carinho.

 

MALIK

(Cont’d) Teus deuses sabem o que tens no teu coração, meu príncipe! Aqui, nas tuas terras o amor entre homens é permitido. De onde venho, não! Vamos viver o que possa ser vivido!

 

Provoca esfregando a cabeça nas pernas de ANTHENOKEN.

 

MALIK

(Cont’d) Deixa-me ser teu homem. Não me prive de ti! Afinal, o vosso filho está sempre disposto; e ele é belo e tão delicado que minha carne cede!

 

ANTHENOKEN, fora se si, o pega pelo pescoço e o ergue.

 

ANTHENOKEN

(ciumento)

Não ouses! Ou mando lhe decapitar!

 

MALIK segura com uma mão o punho de ANTHENOKEN em sua garganta e com a outra puxa a mão dele e lambe os seus dedos. Desejo.

 

MALIK

Isso! Gosto dessa brutalidade! Deixe-me desfrutar a pele macia que encobre as tuas costas, as tuas coxas e o teu meio. Com a minha língua... Deite-se como a minha mulher!

 

Seduzido, ANTHENOKEN deposita a mão sobre o membro de MALIK e o beija com desejo. Cortes descontínuos: MALIK o faz de mulher com puxões pela cintura e chaves de braço num sexo despudorado. ZAHRA, escondida, assiste e lacrimeja.


4.      INT/DORMITÓRIO DO REI/NOITE                               

 

TUTANCAN triste à luz da lua, pela janela, ANTHIEPT no leito.

 

TUTANCAN

Ela tem o seu preferido!

 

ANTHIPET

Seu avô também tinha, e não era você! Seu irmão sempre foi o mais acolhido pelos dois.

 

Pensativo, TUTANCAN caminha até ela e senta aos seus pés.

 

TUTANCAN

Ela disse-me que eu era um malfeito. O que há de errado comigo?

 

ANTHIEPT

Errado?! Você é divino!

 

TUTANCAN

Não sou! As pessoas sentem repulsa por mim. Me evitam! Desde pequeno ando sob olhares que me julgam em silêncio; e dentro de minha cabeça parece que consigo ouvir o que elas pensam e dizem sobre mim!

 

ANTHIEPT

As pessoas temem o desconhecido; elas julgam e menosprezam tudo o aquilo que não é o que querem. O que oferece risco em suas escolhas passam pelo crivo do ataque e repúdio!

 

TUTANCAN

Quero ser feliz! Como isso agride ou ameaça alguém? Meu irmão não é como eu e nem tem desejos como os meus e, como posso incomodá-lo ou agredi-lo? Não há uma disputa de interesses!

 

ANTHIEPT

Abra teus olhos que ingênuo não és! A disputa em questão, com ele, é outra. Podes, tu, tirar o lugar que Shenk julga merecer: o trono!

 

ANTHIEPT, persuasiva, coloca-se de pé e ergue TUTANCAN segura-o pelo queixo.

 

ANTHIEPT

(Cont’d.) Irmãos, não se amam! (T) Amam um apego que viveram, mas, na vida disputam entre si! Entretanto, apenas um se destacará. Apenas um!

(acaricia a face dele)

Abra a tua mente; teus olhos! Como disseste, a tua mãe tem o preferido e, ele, sabe! Quando for oportuno, creia, ele vai saber como afastar tudo que o ameaça de seu caminho. Mesmo que um irmão! (T) Durma de olhos aberto, querido! Sei o que digo; sou a sobrevivente dos meus!

TUTANCAN pensativo. ANTHIEPT sorri misteriosamente. Tensão.


5.      INT/QUARTO DO PRÍNCIPE/NOITE                              

 

ZAHRA deitada nua. Testa machucada CAM passeia pelo seu corpo. DESFOQUE revela ANTHENOKEN a deitar do seu lado. ZAHRA se debruça sobre ele e beija o seu corpo (convite sensual). ANTHENOKEN vira o rosto às investidas dos beijos. A Rejeita. Ela insiste.

 

ANTHENOKEN

Basta! Basta, Zahra! Não me sinto com energia para isso agora.

 

ZAHRA

(lacrimeja)

Falta-te energia ou interesse?

(senta-se)

Olhe nos meus olhos e me diga a verdade... Quero a verdade!

 

ANTHENOKEN engole seco e a fita apreensivo.

 

ZAHRA

(Cont’d.) Teria coragem de me dizer sobre o fim de teu amor por mim?

 

ANTHENOKEN

Não sei dizer, Zahra; o que sei é que quando o amor acaba, não se precisa dizer. Os envolvidos sentem.

 

ZAHRA lacrimeja.

 

ANTHENOKEN

(Cont’d.) Preciso descansar.

 

Se vira de costa para ela e deita com o olhar distante. Zahra limpa as lágrimas e não esconde a revolta.


6.      INT/CORREDOR/NOITE                                        

 

Movimentação dos serviçais. Furtivamente MALIK passa. TUTANCAN surge por entre as pilastras. Segura-o pelo braço.

 

TUTANCAN

(duro)

Diga-me! Porque escondeste que serves ao meu pai?!

 

MALIK fica sem palavra. Suspense.


7.      INT./ORÁCULO/NOITE                               

 

SETNIAK, debilitado, a poucos metros do oráculo recebe água na boca por OMAR.

 

OMAR

(preocupado)

O que viste?

 

SETNIAK

(enfático)

A cor encarnada escorrendo pelo chão desta morada.

 

OMAR

De quem, adivinho?

 

SETNIAK vira-se em recusa a falar. Suspense.

 

OMAR

(insiste)

(Cont’d.) De quem? Pelo o que lhe é mais sagrado, diga-me para que possa impedir uma tragédia.

 

SETNIAK

A água tem o seu curso. De nada serve a barragem, ela contornará e seguirá!

Mais dias, menos dias... O que tiver que ser será! Maktub!

SETNIAK meneia a cabeça negativamente. Em OMAR desacreditado.


8.      EXT./PÁTIO/NOITE                                         

 

Suspense. Vista do alto: OMAR atravessa rápido. A silhueta de alguém indefinida aparece no vídeo a lhe observar.


9.      INT./CORREDOR/NOITE                                       

 

Suspense. Retoma em MALIK e TUTANCAN em tom baixo, mas intenso.

 

TUTANCAN

É diferente! Pra mim, muda tudo!

 

MALIK

Deixaria de desejar-me? Fugiria ou evitaria-me as trocas de olhares por pertencer aos servos de vosso pai?

 

O fita com severidade. TUTANCAN fica sem palavras.

 

MALIK

(Cont’d) Me desejas e, não mudaria nada. Sabes disso!

 

TUTANCAN

 (lacrimeja)

É mais que desejo! Jamais senti tal força que dói aqui; no peito! Quando o senti em mim, senti que podia tudo. Não creio na efemeridade! Quero a ti!

 

MALIK

Não podes! Pertenço a outro mestre! Deves se conter; é o que peço!

 

TUTANCAN

Servo do rei, sim! Objeto dele, não! Ele não pode impedir que se entregues a quem por direito decidir se deitar em carinhos. (T) Eu o enfrentarei!

MALIK

(enfatiza)

Não! Não o faça; por mim! Não o posso dizer os motivos. Só quero que saiba que...

(joga)

Enquanto vivo ele for! Pelo resto dos tempos, jamais serei de alguém. (T) Compreendes o teor do que lhe digo? (T) Esqueça-me! Será o melhor para todos!

 

TUTANCAN, baqueado, lacrimeja. MALIK se afasta pelo corredor.

 

TUTANCAN

(neurótico)

Estão me roubando tudo o que desejo ou toco! (T) Isso tem que ter um fim!

 

CAM busca SHENK pensativo, escondido atrás de uma pilastra. TUTANCAN SAI pisando duro.


10.     INT/DORMITÓRIO DO REI/CORREDOR/NOITE                      

 

Suspense. OMAR adentra o quarto e ANTHIEPT é servida por NEVERA com damasco à boca e abanada por servas. OMAR pigarreia. NEVERA e demais SAEM o observando com desconfiança. OMAR a acompanha com o olhar desconfiado. ANTHIEPT ajeita as vestes.

 

ANTHIEPT

(admirada)

O que lhe traz aqui Omar? (T) O que urge que não esperas ao sol? Estou vulnerável aos olhos de um homem.

 

OMAR se aproxima de ANTHIEPT e a olha com polidez.

      

OMAR

Se tens algo ao que não a adjetiva é a vulnerabilidade! (T) Sabes bem que nunca o foi!

ANTHIEPT

Sem jogos de palavras! O passado está morto, Omar! E, lá, deve permanecer!

 

OMAR estende a mão para que ela o cumprimente adequadamente. TENSÃO. Ela o olha com desdém e se mantem parada. Ele olha para ela e para mão como quem mandasse o cumprimentar. Ela abaixa e coloca a testa na mão do sacerdote. Ele sorri com velada satisfação.

 

OMAR

Bom que não esqueceste o tratamento ao Sumo-sacerdócio. (T) Serei breve: o funeral está prestes a acontecer e é preciso nomear o eleito à sucessã/

 

ANTHIEPT

Anthenoken! Renuncio ao trono! Ele será o Faraó!

(o fita com severidade)

O trono pertence ao único e legítimo herdeiro desta família, Sacerdote: o meu filho. Anounak partiu sem deixar mais herdeiros.

 

OMAR

Sabes que não! O povo pode não saber, eu... sei; há o General.

 

ANTHIEPT

É ilegítimo! Uma mentira! (T) Anounak morreu sem o reconhecer publicamente. Nerfiri sumiu nas areias ou nas águas do Nilo. Quem poderá provar? Quem?!

(ardilosa)

Sou a legítima! A Rainha! É a minha linhagem que seguirá no trono. (T) Vieste saber e, agora, já sabe. Leve a informação aos demais sacerdotes e prepare a cerimônia para o dia depois do sepultamento.

OMAR

És muito sagaz, Anthiept. Planejaste cada detalhe para retirar as ameaças do caminho. (T) As grandes mentiras trazem grandes consequências, rainha! Sabes que Nerfiri é inocente e que o Nub a considerava mais que a ti.

 

ANTHIEPT

(contém a ira)

Jamais! Ele me considerou e desejou como jamais desejou a alguém. Não és tu que o dirá ao contrário!

(jogando)

Aproveitas da passagem do... Anounak, para rever os vossos ressentimentos? O que se foi não volta, Omar. Jamais terá o que ele lhe tirou.

 

OMAR

(engole seco)

Não me tiraste grande coisa. Quando a vejo, mais certezas tenho de que ele livrou-me de um castigo.

 

Aproxima dela por trás e toca em seu ombro.

 

OMAR

(tom baixo)

Decline Anthenoken da missão. Sabes que vosso filho não está à altura deste reinado quanto o General! (T) Luxor precisa de pulso e coragem.

 

ANTHIEPT

Jamais aceitarei o filho da traição!

 

OMAR

Seja estratégica! Poupe o vosso filho da vergonha e do fracasso. Não deixes que vejam as fraquezas te teu sangue!

ANTHIEPT abre as vestes e as deixa cair. Nua, toca em seu queixo.

 

ANTHIEPT

Olha-me! Não suportaste! (T) Perder o trono e a mim o transformaste em algo controlador e amargo. Olha-me Omar!

 

Desfila nua para ele.

 

ANTHIEPT

(Cont’d.) Eu nutria sentimentos por Anounak. Nada por ti! Eras um fraco! Vosso pai sabia os filhos que tinha! E preferiu o caçula!

 

OMAR

Agradeço aos Deuses ter me tornado um Sumo-sacerdote. Ao contrário, seria o meu corpo no lugar de... de Anounak, em banho de sais.

 

ANTHIEPT

(debocha)

Uma afronta! Quanta ousadia! O tempo lhe deu a coragem que nunca tiveste em juventude! Teria sido atraente!

 

OMAR a olha com misto de nojo e desdém.

 

OMAR

Coragem? Não! Valores! Conhecimentos nobres que lhes faltam neste momento!  Vista-se da decência de uma rainha e, respeite a passagem de meu... irmão. Afinal, o tempo não lhe foi generoso! Compreendo Anounak desejar mais à ela que a ti!

 

OMAR vira-se e conduz à porta. ELA se envolta nas vestes enquanto o aborda.

 

ANTHIEPT

Seu pai preferiu o temporão por que ele era o mais preparado. E, Luxor, mais uma vez terá um temporão á frente de seu trono. A história se repete, não é?!

 

OMAR

(indignado)

Nerfiri era mais despretensiosa. Ele me revelou! Foi uma rainha sem mesmo ter subido ao trono! Tens muito o que aprender para chegar aos pés dela! E, ao repetir a história, escolha o mais preparado e não o mais fraco! (T) Sabes bem de quem eu falo!

 

SAI chateado. Nervosa ANTHIEPT joga todas as coisas ao chão em crise de choro.

 

-- CORREDOR:

 

OMAR passa rápido. Silhueta se move nas sombras a observá-lo. Derruba uma tocha chamando a atenção do sacerdote. A silhueta corre. OMAR, assustado corre no sentido oposto.


11.     INT/TEMPLO DE OSIRIS/NOITE                               

 

SETNIAK, sentado ao oráculo. OMAR ENTRA batendo a porta com força. SETNIAK se arrepia e esfrega a mão para aquecer o corpo.

 

SETNIAK

Os ventos que o perseguem são frios e ameaçadores.

 

OMAR

Não há vento algum! Alguém me observava de perto, muito perto.

 

Ansioso, se aproxima do cego e senta ao seu lado.

OMAR

(Cont’d.) Tu, que tudo vês, diga-me: a minha decisão pode mudar os rumos dessa sucessão?

 

SETNIAK

 (adverte)

Omar! Omar! Não aprendeste que quando se mexe na ninhada tem que aguentar a dor e o veneno das serpentes?

 

OMAR

(obstinado)

Agora que comecei, tenho que ir até ao fim! Anthenoken não tem o perfil para Faraó. É um fraco!

 

SETNIAK

Com quais convicções, dize-o, tu?

 

OMAR

(cabisbaixo)

Em mim! O reconheço em mim. O fraco que fui e sou. (T) Mas isso tem que acabar! Pagarei pelas consequências.

 

SETNIAK sorri com canto de boca. OMAR levanta para SAIR.

 

SETNIAK

Pagarás com a própria vida?

 

OMAR para e o observa.

 

SETNIAK

(Cont’d.) O destino faz o erro virar acerto e o acerto virar erro. (T) A consequência é plantar a semente e não ver a árvore das os frutos... E pode ser que não sejam bons frutos!

 

OMAR para diante o oráculo pensativo. SETNIAK sorri.


12.     EXT/JARDINS/NOITE                                          

 

Penumbra. NEVERA e NEMEWÁ em segredo.

 

NEVERA

O sacerdote esteve nos aposentos dela! Sinto que estão tramando a sucessão!

 

NEMEWÁ pensativo.

 

NEVERA

(Cont’d.) Não podemos deixar que a morte de vossa mãe tenha sido em vão! Algo tem de ser feito, meu sobrinho, ou jamais será reconhecido como um dos filhos de Anounak.  

 

NEMEWÁ

(convicto/longe)

Acalme-se. Tenho trunfos sobre eles!

 

NEVERA

Quais?! Deves agir, Nemewá! O tempo urge contra nós! Não sei quanto tempo conseguirei esconder a minha origem.

 

NEMEWÁ

Tudo ao seu tempo, minha tia. Lhe sou grato por ser-me tão fiel e arriscar-se por mim.

 

NEVERA pega na mão de NEMEWÁ e a beija e depois coloca em seu rosto. Conotação de um suposto romance

 

NEVERA

Como não o ser? Fomos criados juntos! Temos quase a mesma idade! Teu sonho é meu sonho, Nemewá. Farei tudo pelo seu reconhecimento enquanto filho e ao seu direito ao trono!

Sem o mesmo interesse beija a mão dela e agradece com um olhar.

 

NEMEWÁ

Sei disso e sou grato. (t) Agora, é preciso que retorne e sejas meus olhos e ouvidos lá dentro; dia e noite. Algo está prestes a acontecer.

(misterioso)

Sei que vai acontecer! Tomes cuidado! Anthiept é uma serpente venenosa!

 

Suspense. NEVERA preocupada. NEMEWÁ com olhar distante.


13.     INT/CORREDOR/NOITE                                       

 

NEVERA caminha alguns passos. ANTHIEPT se posta diante dela.

 

ANTHIEPT

Demoraste a retornar! Onde esteve?

 

NEVERA

(mente)

Procurava flores para vos banhar com bons aromas e descarrego.

 

ANTHIEPT

Posso cheirá-las? Aonde estão?

 

NEVERA

Deixei para recolher pela manhã quando ainda estarão fresc/

 

ANTHIEPT

Não mintas! (T) Foste encontrar o dono daquele escudo em vossa casa!

 

NEVERA abaixa a cabeça encurralada.

 

NEVERA

(cabisbaixa)

Perdão, senhora!

ANTHIEPT

(ameaçadora)

Sei retribuir gratidão e fidelidade.

Saiba, tu, que tenho virtudes, mas a tolerância à traição não é uma delas.

(impositiva)

Não posso e nem quero correr riscos com a vossa proximidade ao dono do escudo. Para tanto, minha cara, deves escolher: o vosso relacionamento ou continuar a viver debaixo deste teto ao meu lado.

 

NEVERA engole seco e no limite de sua tolerância a enfrenta.

 

NEVERA

Não entendo o que vossa majestade teme com minha proximidade ao meu companheiro?

 

ANTHIEPT

Não lhe devo explicações! Como me acolheste, o que vos digo é: afasta-te do soldado, quem quer que o seja! Será melhor para todos!

 

NEVERA

Esteja crente que lhe sou fiel!

 

NEVERA se curva e ANTHIEPT a mede com o olhar. Aproxima-se do ouvido dela de forma intimidadora em quase sussurro.

 

ANTHIEPT

Acreditarei! As decepções abrem as portas das intenções mais nefastas que habitam meu eu.

 

ANTHIEPT SAI a medindo com os olhos e NEVERA que a priori está cabisbaixa, levanta a cabeça e sorri amarelo num gesto de esconder/sustentar a mentira.


14.     INT/TEMPLO DE OSÍRIS/NOITE                                

 

Água jorra na fonte de ouro. SHENK molha o rosto com s água corrente. Reflexo do ouro, Close nele preocupado. A alma de ANOUNAK logo atrás envolto de luz.

 

ANOUNAK

(preocupado)

Há alguns dias, fazia o mesmo antes de minha morte. (T) Tão jovem e já lhe cai o peso do reinado sobre as costas! Não foi o que lhe desejei!

 

SHENK olhando ao longe.

 

ANOUNAK

Hórus, permita-lhe que ouça essas palavras: “O homem deve fazer o que deve ser feito, mesmo que lhe doa!”

 

SHENK leva os olhos na direção de ANOUNAK sem vê-lo. Música instrumental e mística.

 

ANOUNAK e SHENK

Viver é resistir! A tempestade forja os fortes que zelam daqueles que precisam de um norte.

 

Efeito de luz muda. SHENK [sozinho] volta em si.

 

SHENK

Preciso sair das sombras em que mora os meus sentimentos!

 

Em SHENK olhando para o alto. ZOOM na escultura de Osíris com o filho Hórus em seu seio. Sobe a música. Mistério.


15.     INT/DORMITÓRIO OMAR/NOITE                                

 

OMAR dorme. SHENK ENTRA veloz e a força faz bater a porta com tudo ao abri-la. OMAR acorda assustado

OMAR

Deverias usar de mais delicadeza para acordar as pessoas, Shenk.

 

OMAR senta e passa as mãos na cabeça. SHENK se ajoelha à ele.

 

SHENK

Minha angústia me consome e rouba-me o sono. Desde que o Faraó partiu, há dentro de mim algo que me rouba a paz.

(angustiado)

Lhe rogo: oriente-me! Sinto uma força muito ruim a consumir-me como o sinal de algo prestes a acontecer em minha vida.

 

OMAR

(preocupado)

Feche os olhos e diga-me o que vem à mente.

 

SHENK

O trono! No alto das escadarias, no portal da cidade.

 

OMAR

Que mais?

 

SHENK

Alguém ao trono sendo coroado por... alguém do exército... não consigo ver os rostos! O público está incrédulo! Vejo sangue descer pelas escadas e...

 

SHENK abre os olhos lacrimejantes. OMAR o fita.

 

OMAR

A boca fala daquilo que carregas em teu coração. Que imagem foi essa que viste e fizeste sair desta indução?

SHENK

(chorando)

Tutancan! Tinha sangue pelo corpo! Ele estava de joelhos. Eu... Não... Não posso! Amo o meu irmão!

 

OMAR

(sussurra)

Há um conflito entre vós e sabes bem! O teu choro é de culpa, Shenk. Apesar de amá-lo, desejas retirá-lo de vosso caminho. E, talvez, devesse realmente dar um basta em vosso irmão!

 

SHENK

O que dizes?! Não sou assassino!

 

OMAR

Não! Nem precisa o ser! Basta usar a sagacidade e afastá-lo de ti a ponto de evitar o conflito na coroação do próximo Faraó. Tiveste a vidência dos Deuses. Isso é uma benção! É o sinal divino! Entendas, Shenk: desde que o mundo é mundo, os mais fortes têm de fazer o que deve ser feito!

 

SHENK

(relutante)

Sei disso! Não sei se ferir Tutancan seria o caminho para chegar aonde eu desejo.

 

OMAR

O que deseja em verdade? Diga-me!

 

SHENK

O trono! Depois de meu pai, lógico!

 

OMAR

(polido)

A sucessão é um assunto primeiramente de família, depois, passa ao conselho sacerdotal. Creio que devas conversar com o vosso pai e se aproximar dele. E, até mesmo de Nemewá.

 

SHENK

Perdoe-me a limitação. Não compreendo o motivo de estreitar-me ao General.

 

OMAR misterioso se levanta e olha da porta para os corredores furtivamente. Se volta para SHENK e o segura pelos ombros.

 

OMAR

És um homem bem formado e de conduta ilibada, Shenk. Creio que seja a hora de saber da verdade. Tantos segredos velados pelo tempo!

(pesaroso)

Vosso pai não é o próximo na sucessão do trono. O verdadeiro primogênito de vosso avô é Nemewá! Ele nasceu antes de vosso pai, filho de uma traição! E escondido por seu avô...

(lacrimeja)

O que vou lhe abrir é mais imperioso ainda: teu avô roubou-me o trono; meu irmão mais novo Tierensen, Anounak II, é meu irmão, Shenk. Sou teu tio!

 

SHENK cai sentado na cama perdido.

 

OMAR

(Cont’d.) Eu poderia ter lutado pelo trono, mas, meu amor pelo seu avô, me fez sair do caminho e lhe entregar o trono de bandeja, pois fui medroso em lhe enfrentar. Preferi continuar vivo e ter a paz entre nós.

 

OMAR chora e vira-se para esconder de SHENK.

OMAR

(Cont’d.) Anulei-me ao ponto de meu pai escolher teu avô. Eu deveria ter tomado as rédeas de minha vida; viver à sombra de alguém, fere mais que uma punhalada.

 

SHENK toca o ombro de OMAR em solidariedade. OMAR tira a mão dele do ombro.

 

OMAR

O segredo deve permanecer guardado. Apenas use-o como lição: Lute! Com todas as armas! É com esta minha experiência que vos digo: faça o que tem que ser feito! Ouça teu coração!

 

Em SHENK pensativo. Suspense.


16.     INT/DORMITÓRIO PRÍNCIPES/NOITE                            

 

SHENK ENTRA pé-ante-pé. Aproxima-se do leito em que TUTANCAN dorme. Leva a mão ao cabelo do irmão e o acaricia com cuidado.

 

SHENK

(sussurra)

És uma presa tão fácil!

 

Close: TUTANCAN dorme. Desfoque revela a piedade nos olhos de SHENK.

 

CORTA PARA O:

 

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P R Ó X I M O   C A P Í T U L O

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Minissérie de
JOÃO SANE MALAGUTTI

Elenco
ANNANOUK ANTHIEPT ANTHENOKEN NEMEWÁ NERFIRI NEVERA ZAHRA TUTANCAN SHENK SETNIAK OMAR MALIK
Tema MAKTUB Intérprete MARCOS VIANA

Direção
ANDERSON SILVA

Produção
BRUNO OLSEN


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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