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Antologia O Mal que nos Habita - 3x10

Conto de Paulo C S Ventura
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Sinopse: Trata-se da história de uma mulher de uma cidade do interior de Minas Gerais, solitária, que encontra um homem enigmático e torna-se sua amante. Depois desse encontro sua vida se transforma e ela torna-se uma executiva bem-sucedida. Após uma festa em sua casa o rumo desta história muda completamente.

3x10 - Escalada ao Topo do Mundo
de Paulo C S Ventura

Chegar ao topo do mundo. Conhecer o sucesso, é sonho da maioria das pessoas. Subir os degraus da vida. Para uns, uma grande escalada, com muita luta e cansaço. Para outros, a brisa da sorte sopra a favor. Basta realizar acordos com pessoas certas, e chega-se ao topo do mundo. Ao topo do mundo de cada um.

Pretensões de sucesso profissional também tinha Ana Lúcia ao aceitar seu novo emprego. Mas não apenas isso a trazia de volta à cidade natal, aos quarenta e cinco anos de idade, para morar com a mãe, de setenta anos, e a irmã mais nova, também solteira. Realizava um trabalho interessante em uma cidade de porte médio no interior do estado. Fizera cursos de especialização em várias capitais, publicara livros. Seus livros não fizeram muito sucesso. Dificilmente publicações independentes, com editoração própria, alcançam sucesso de vendagem, muito embora ela tenha colocado a alma naqueles livros.

Havia outra razão mais forte para promover mudança tão drástica já que, anos atrás, pensara nunca mais voltar a viver na cidade em que nascera e vivera sua juventude. O momento urgia rupturas. Não conseguiria mais frequentar os mesmos lugares, trabalhar com as mesmas pessoas, caminhar nas mesmas ruas. Trazia no íntimo o desânimo natural de quem sofre grandes desilusões amorosas. O desfecho de seu longo romance com um companheiro de trabalho foi trágico. O homem que conhecera há mais de dez anos e por quem tanto batalhara, ajudando-o a terminar os estudos e lhe conseguindo emprego na mesma empresa, colocara fim ao romance. Um belo dia, chegou em casa meio bêbado dizendo não querer mais vê-la. Estava decidido a libertar-se da prisão em que se encontrava. Tinha uma amante mais nova e bonita.

Seu novo trabalho a animava. Com a ajuda de amigos influentes nos meios políticos locais conseguiu uma colocação em conceituada empresa. Por seu bom currículo e por ter um parente em alto cargo, chegou rapidamente à chefia de um importante setor. Vislumbrava possibilidades de sucesso rápido. Faria o necessário para atingir os altos escalões da empresa. Tinha potencial para tanto.

Entregou-se ao trabalho com dedicação e disposição nunca vistos nela. Costurou acordos, promoveu festas. Aumentou rapidamente seu círculo de amigos e de adeptos. Fez alianças com profissionais mais novos, em início de carreira, com os quais relacionava-se como uma irmã mais velha, tal o carinho que lhes dedicava. Estes, na insegurança dos iniciantes ávidos por promoções dentro de um ambiente hostil, retribuíam efusivamente suas manifestações de carinho. Eram seus gatos de estimação. Reuniam-se sempre, de preferência em bares.

Ana Lúcia era uma das que mais bebia. A bebida fazia-a sentir-se muito bem. Apesar de todos aqueles gatos de estimação ao seu redor, não conseguia esconder o sofrimento. Doía-lhe a saudade. Feria-lhe a perda. Amargurava-lhe a ausência do companheiro. E mais e mais bebia. Após uns tantos copos, estava a cantar, dançar, contar histórias e tocar violão. Nestas noites voltava para casa de madrugada, geralmente embriagada, e chorava até dormir. No dia seguinte, sempre ia trabalhar de óculos escuros, pintura no rosto para disfarçar a ressaca. Por mais que jurasse a si própria controlar a quantidade de bebida, bastava sentar-se à mesa do bar para esquecer todas as promessas que fazia à sua velha mãe. A bebida era seu único refúgio. Nem mesmo rápidos romances com alguns de seus novos companheiros ajudavam-na a mudar os hábitos, e não a faziam esquecer seu antigo namorado. Além do mais, eram todos casados, não favorecendo o aprofundamento das relações.

Uma sexta-feira à noite saiu para beber rotineiramente, com seus colegas de trabalho. Foram ao mesmo velho bar onde tinham mesa reservada nos fundos, com atendimento especial pelo próprio proprietário. Tinha assistido "Coração Satânico" na plataforma de cinema na Internet, e esperava encontrar Robert de Niro bebendo uísque. A conversa estava solta e agradável, e Ana Lúcia cantava velhos sambinhas, sucessos da década de oitenta. Sempre cantava, após algumas cervejas.

O grande relógio do bar bateu meia-noite, no exato instante em que entrou um homem moreno de terno negro. Sentou-se bem à frente de Ana Lúcia e pediu logo uma dose de uísque. E era mais bonito do que Robert de Niro. Ana Lúcia parou de cantar, porque sua voz começou a tremer. Os olhos negros e profundos daquele homem, aparentemente mais novo, pareciam despi-la. Lembravam os olhos de seu antigo companheiro. Fazia de tudo para esquecê-lo e, de repente, surge sua imagem naquele olhar brilhante. O homem de terno a encarava. Ela não conseguia desviar. Suas pernas tremiam. Uma ponta de desejo nasceu em seu ventre e, num crescente, atingiu todo o seu corpo. O estranho lhe sorriu e fez-lhe um brinde. Foi o suficiente para Ana Lúcia, encorajada por sua ligeira embriaguez, ir sentar-se à mesa do desconhecido. Suas primeiras palavras após as apresentações, foram:

— Tenho medo de você. Seus olhos desvendam meu íntimo com muita segurança. Você parece-me muito perigoso.

— Não sou perigoso. Apenas procuro conhecer as pessoas. O primeiro contato é sempre através de olhares. Procuro olhar para ver a alma. Sou comprador de almas. Não me negue seu olhar.

— Você é ousado e perspicaz. E parece conseguir o que quer.

— Você também vai conseguir. Basta entregar-me a sua alma.

Assim iniciou-se uma conversa bem-humorada, tendo Ana Lúcia revivido horas de grande descontração e leveza. Falou de sua vida, de suas decepções e alegrias, de seu trabalho e ambições. Da mesa do bar caminharam para o carro do homem de terno preto. levando o restante da garrafa de uísque. O carro era bem equipado com som rolando Rock’n Roll progressivo bem a seu gosto. Lembrava os bailes de sua juventude com Pink Floyd, The Who, Rolling Stones, Jetro Tull e Genesis. Os bancos reclinaram, permitindo conforto. Há muito tempo não conversava tão animadamente, assuntos mais substanciosos que os papos de botequim de seus paparicadores gatos de estimação. O desejo que a fez sentar-se com o desconhecido na mesa do bar, a esta altura já a invadia totalmente. Portanto, nem sequer estranhou as mãos do homem viajando em suas pernas, e sua boca freneticamente em seus lábios e seios. Seu corpo era ardente. Sua língua explorava poros e cantos. Suas unhas marcavam pernas e ancas. Seus dedos brincando em caminhos escondidos. As roupas no banco de trás. O corpo do homem sobre o seu. O pênis garimpando minas e cavernas. O gozo explodindo em gritos contidos.

O dia amanheceu às seis horas, com Ana Lúcia nua dentro do carro de um desconhecido, estacionado num canto da praça no alto do Morro da Forca. Só então notou como era peludo, o corpo do homem.

— Não te dei minha alma, mas te ofereci meu corpo. — Ele disse ao acordar.

— Engana-se. Você acaba de me vender a alma. Seu corpo era apenas o selo do contrato. — Respondeu, virando-se para ela.

Notou que seus olhos, ontem negros, estavam agora avermelhados. Vestiram-se e ele deixou-a em casa, dizendo que conseguiria realizar seus sonhos e que se veriam novamente. O corpo como selo de contrato de compra e venda da alma. Alguns dias passaram, sem Ana Lúcia entender o significado daquelas palavras. O desconhecido não mais apareceu para explicar-lhe. Claro que ele não lhe saia do pensamento. Não era de maneira sofrida como a imagem de seu antigo companheiro. Mas lembrança forte de acontecimentos marcantes, durante horas fugazes de uma madrugada quente. Ainda sentia o cheiro dele. Ao dormir sozinha ansiava por sua presença. Ao dormir acompanhada não se satisfazia. Incomodava-lhe a lembrança daquele amante.

A rotina de seu trabalho começou a mudar de repente. Promoções ocorreram. Seus superiores hierárquicos dentro da empresa, iam sendo substituídos. Mudanças imprevistas, aposentadorias, pedidos de demissão, transferências para outras filiais. E ela sempre sendo indicada para ocupar cargos mais importantes. Muita sorte, apesar de julgar-se competente. Seu trabalho sempre correspondia às expectativas. Tinha a confiança dos superiores e dos colegas. Estava sempre alegre e sorridente. Já não bebia como antes. Não mais era presença constante nos bares. Superou antigas frustrações, menos uma: a solidão. Apesar de muito cortejada, não tinha um companheiro fixo com quem dividir seu sucesso profissional. Ainda carregava a imagem de seu antigo companheiro misturada, agora, à imagem daquele amante de uma única noite. Não tinha a menor ideia de como encontrá-lo. Esquecera seu nome ou ele não o dissera? Pelos menos acertara em uma coisa. Ela chegaria ao sucesso. Subia dia a dia os degraus da vida. Com a morte súbita do gerente geral da empresa - aliás, seu parente - ela foi indicada pelo conselho de acionistas. Por unanimidade. Era a primeira mulher a ter um cargo tão importante naquela cidade tão conservadora e com ares de século passado. Uma cidade em que até o mofo era em estilo barroco. Mas não se importava com maledicências e fofocas de comadres, o dia todo sentadas na esquina. Tinha pena delas. Não era feminista militante. Mesmo assim, julgava necessário o trabalho para as mulheres. Terminaria com aquele papo chato de crianças eternamente doentes e maridos infiéis. Com o trabalho, as pessoas crescem. Como ela. Construiu uma grande casa em uma vila afastada da cidade, bem no alto de um morro com vista para a montanha. E com banheira de hidromassagem, uma antiga fantasia. Sentia-se realizada. No topo do mundo.

Em um fim de semana, promoveu uma festa. Reuniu velhos e novos amigos para a inauguração da casa. Tinha quadros nas paredes, móveis comprados em antiquários, peças do artesanato local, cortinas de renda e um violão novo em um canto da sala. E uma alegria contagiante. Todos os seus convidados compareceram. Demonstração de sua importância. Naquela noite sentia-se verdadeiramente uma rainha. De muitos súditos. Muitos de seus convidados ansiavam por um convite especial para ficar. Qual seria o agraciado? Nenhum deles foi escolhido. Queria ficar sozinha. Tomar um último drinque curtindo o seu novo casarão, com a solidão, sua velha e fiel companheira. Quis que a festa terminasse à meia-noite (iniciara à tarde). Levou à porta todos os convidados. Entrou em seu quarto e viu um vulto na sacada. Quando ele se virou, ao ouvir passos, o copo de uísque caiu das mãos de Ana. Era o desconhecido. O único homem que convidaria para dividir a noite. E estava ali, sem convite. Com o mesmo terno preto. Apesar do tempo passado, seu terno estava novo. Um detalhe não percebido.

Ana Lúcia não conteve sua alegria e correu para os braços do amante. Não perguntou como ele entrara na casa sem ser visto, nem como chegara até ali. Nenhum carro estava estacionado em frente à sua casa. Também não houve tempo. Ele rapidamente a tomou nos braços e foram para a cama. As roupas foram tiradas apressadamente e jogadas sem cuidado no chão. O que se seguiu era, para Ana Lúcia, indescritível. Há muito tempo não transava daquele jeito. Com tanto fôlego. Um orgasmo seguido do outro, sem intervalo. O corpo de um homem subjugando o seu, tão felinamente. Mãos de homem apertando suas costas com tanta força. Língua de homem buscando a sua, tão ruidosamente. Ana entrou em transe, desligando-se do mundo por uns instantes. Não via quarto, cama, lençóis e paredes. Apenas sentia o corpo do homem movimentando-se sobre o seu. Só voltou a si quando percebeu o gozo explosivo do homem e seu corpo escorrendo lentamente para o lado. Suas pernas e braços tremiam pesadamente.

Novamente Ana Lúcia acordou com o dia clareando, às seis horas, nua, ao lado do desconhecido. E dessa vez estava em seu quarto. Sentiu o cheiro dos seus lençóis. Sentiu o cheiro do homem misturado com seu próprio cheiro. Mas o homem não estava deitado ao seu lado. Ela sentou-se rapidamente na cama e o viu, já vestido, na poltrona do quarto, a sorrir-lhe.

— O que faz já de pé? Ainda é tão cedo!

— O dia está lindo. Por que não aproveitamos para dar uma volta? Vamos até a estrada? Você nem precisa vestir-se. Seu carro tem aquecimento e vidro revestido. Ninguém te verá.

— Sempre tive vontade de dirigir nua em uma estrada. Como você sabe de minhas fantasias?

— O sol começa a nascer em meio à neblina. O dia está simplesmente maravilhoso. Ana Lúcia deixou o robe na garagem ao entrar no carro. Estava cansada, mas feliz. Aquele homem a fascinava. Como poderia estar com aquele ar tão tranquilo, tão descansado, se na noite anterior fizera amor como um leão lutando na arena? Ou como um leopardo caçando um antílope? Ele não parecia humano.

— Lembra-se da última vez que nos vimos? Foi uma noite tão boa como esta. Duas noites muito loucas! Naquela noite dei-lhe meu corpo como nunca dei a um amante. Mas não entendi uma frase que você me disse: "como selo de um contrato". O que você quis dizer com isso?

— Naquela noite comprei sua alma -- ele respondeu, ainda mais enigmaticamente. E você chegou ao topo do mundo, como prometi. Hoje vim lhe buscar.

Mal ele acabara de responder, e um pequeno cavalo atravessou a pista. Ana dirigia em alta velocidade na reta, e distraía-se com as mãos do homem que lhe percorriam o corpo pausadamente, enchendo-a de tesão. Desviou o carro do animal e perdeu o controle da direção. Saiu da pista, capotou várias vezes e bateu de frente, em uma árvore.

Apesar de tantas especulações de amigos e curiosos, ninguém conseguiu entender porque Ana Lúcia dirigia nua, sozinha, num domingo bem cedo, depois de oferecer uma festa que acabou pouco antes da meia-noite.

Conto escrito por
Paulo C S Ventura

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Mercia Viana
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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