No
capítulo anterior Carlito se prende à memória para não entrar em pânico e
relembra os dias em que conheceu Rui, Imã entra em contato com criaturas
estranhas que se dizem habitantes primitivos do mundo devastado.
CAPÍTULO 14 - ESPOLETINHA, É VOCÊ MESMA?
Ziza
ainda está angustiada, mas o toque do telefone celular distrai sua atenção, ela
atende por alguns instantes, depois desliga.
—
Tiana, estão precisando de mim lá no escritório, mas eu não queria deixar a Imã
assim.
Tiana
olha para Ziza com firmeza:
—
Pois se eu fosse você, ia para lá. Assim, pelo menos você alivia um pouco as
tensões se concentrando em outras coisas. Não se preocupe com a Imã, estarei
aqui para cuidar dela, você pode ir sossegada.
—
Eu preciso mesmo ir, você me liga se acontecer alguma coisa?
—
Claro, Ziza, mas eu tenho certeza de que não vai acontecer nada. Pode ficar
tranquila.
—
Dona Ziza, eu também estarei aqui pra ajudar no que for preciso.
Ziza
olha para Tiana e Drica e agradece o carinho.
—
Assim que puder estarei de volta, prometo.
Tiana
aperta Ziza em um abraço, as três se despedem.
—
E agora, o que a gente faz? — a mulher quer se agarrar em alguma esperança.
—
Tem uma coisa que a gente pode fazer, o vô Táquio tinha me ensinado e só
lembrei agora.
—
O que é?
—
Vamos pegar as cirandas e uma tigela de gelo.
Tiana
corre para atender Drica, enquanto isso a menina abre a porta do escritório e
se aproxima da amiga deitada no chão. “Espero
que dê certo”. Logo que Tiana aparece, Drica estende a mão para pegar a
ciranda.
—
A senhora pode pegar os cubos de gelo e jogar na tigela? — Drica pega uma
ciranda e afasta as outras. — Pega a minha mão!
—
Qual é o plano Drica? Você vai voltar para dentro da ciranda?
—
Não, eu vou tentar só enviar uma mensagem de voz para Imã.
—
E dá pra fazer isso?
—
O vô Táquio tinha me ensinado, caso eu só quisesse enviar uma mensagem, ou algo
parecido. Depois eu ia aprender a viajar.
—
Mas, pra quê o gelo?
—
É um tipo de âncora, se eu sentir que estou entrando na ciranda é só apertar o
gelo que volto pra cá. E a senhora, não larga minha mão, por favor.
—
Pode confiar, Drica.
No
mundo devastado, Carlito luta para se adaptar a atmosfera úmida e abafada em
que se encontra, movimenta os músculos para aliviar as dores por ter ficado
tanto tempo imobilizado, também passa a mão pelo corpo limpando os resquícios
do caldo que o aprisionava. Sua atenção é desviada para a voz de uma pequena
criatura, que soa amistosa, mas uma sensação de desconfiança deixa o rapaz
alerta.
—
Você é o quê? — a criaturinha fala enquanto rodeia Carlito.
—
Eu? Eu sou um homem, ora.
—
O que é um homem?
—
Um tipo de animal que anda e fala.
—
Do mesmo tipo do Conde E?
—
Você conhece o Conde E? Aqui é Emityma?
—
Por que, está procurando?
—
Sim, preciso muito falar com ele.
—
De onde o conhece?
—
A senhora faz muitas perguntas.
—
Isso te incomoda?
—
Não, mas é complicado só responder e não ser respondido.
—
Que respostas precisa?
—
Que mundo é esse? Onde está o Conde E? O que você é?
—
Acredita que era um mundo maravilhoso? Que éramos felizes?
—
Difícil acreditar nisso. — Carlito olha ao redor.
Algumas
criaturas se movem com olhos fixos a cada movimento do rapaz, é nítida a
sensação de ser um prisioneiro.
—
Por que é difícil? Você conhece um mundo melhor? De onde você veio? Como irá
voltar?
—
Assim que encontrar o Conde E, eu te mostro. — Carlito coloca a mão no bolso.
A
ação do rapaz não passa despercebido pela criatura, ela grita para os outros.
—
O que esconde aí?
Outras
criaturas se aproximam para agarrar Carlito, percebendo a manobra, age rápido e
corre para uma saliência do recinto, onde parece haver uma saída. Sem pensar no
que está fazendo, fecha os olhos e se atira com toda força e atravessa uma
parede, que parecia sólida como aço, mas era um emaranhado de teias, que não é
forte o suficiente para detê-lo. Carlito tropeça, cambaleia e consegue escapar.
Corre tresloucadamente por alguns minutos, logo um zumbido ensurdecedor surge,
ao virar o rosto vê o horizonte tomado por milhares de criaturas sobrevoando e
correndo atrás dele. A criaturinha que o entrevistava vem montada sobre um dos
voadores. Carlito dispara em direção a um ponto escuro com a única preocupação
de escapar daquele exército de monstros, sua esperança é conseguir despistar os
algozes.
Assim
que alcança a área escura, o rapaz depara com um labirinto de imensas torres de
poeira petrificada, da mesma forma que encontrou quando chegou a esse mundo. As
torres são tão altas que bloqueiam qualquer raio de luz entre elas e o material
que as encobre é tão escuro quanto piche. Dessa vez, não há tempo para
investigar as causas, instintivamente, tateia os montes em busca de falhas,
assim conseguirá se esconder e ficar seguro dos perseguidores. O zumbido fica
cada vez mais forte, o chão treme, algumas lascas das torres caem em volta, ele
se desvia para não ser atingido. Então, ouve uma ordem que o arrepia da cabeça
aos pés.
—
A Cuca não quer ele morto, já sabem.
De
certa forma, Carlito desconfiou quem era aquela criaturinha, só falando em tom
de perguntas. A insistência dela em querer saber de onde veio, denunciava a
falta de cuidado, que alguém de boa vontade deveria ter com quem está ajudando.
Em nenhum momento a Cuca se preocupou com seu bem estar.
Agora,
mais do que nunca, Carlito sabe que não pode se deixar aprisionar novamente,
pois imagina as piores torturas para a maga conseguir o que quer.
Após
afundar a mão em uma das torres, Carlito se embrenha dentro dela e permanece em
silêncio. Vagarosamente apanha a ciranda e começa a esfregá-la, como se fosse a
lâmpada de Aladim, fixando o pensamento em seu mundo. Mas, ouve uma voz
familiar: “Imã, tá aí?”. Agoniado,
Carlito quer responder, mas teme fazer barulho.
Logo
percebe que a voz ecoa na sua mente. “Caramba,
como sou burro!” Se concentra para entrar em contato apenas pelo
pensamento: “Drica? Drica, tá me ouvindo?
Sou eu, Carlito.” A espera pela resposta é angustiante.
Enquanto
isso, Imã tem dificuldades até para falar.
—
Vô Táquio?
—
Espoletinha, meu Deus, é você mesma?
A
mesma voz, o mesmo semblante, que Imã não via há tantos anos e que ela desejava
reencontrar, estava na sua frente. A emoção foi tanta que a menina não sabia
como reagir, os olhos lacrimejam, é mais fácil imaginar do que explicar o que
sentiu. O peito parecia querer explodir, o ar faltou, Imã fica tonta por um
instante e cambaleia para frente, Táquio corre para abraçá-la. Os dois choram
de alegria, o tempo parou e naquele instante nada mais importava.
—
Meu Deus, como está grande, olha só que moça bonita você ficou.
As
criaturas ficam perplexas com a cena, ninguém ousa dizer uma palavra. Táquio
faz as apresentações.
—
Meus amigos, essa é a Princesa Macar, é por ela que estamos nessa luta. —
depois Táquio se volta para a princesa — Minha querida, esses são nossos
amigos, um grupo bastante leal e estamos unidos contra a…
—
Peraí, vô, que luta, que mundo é esse? Aqui é Emityma?.
Táquio
olha para sua neta com profunda tristeza, a conduz para um canto onde eles se
acomodam, Gualbe coloca uma garrafa com néctar de flores e copos sobre a mesa e
eles se servem.
—
Obrigado, Gualbe. — Táquio suspira — Imã, depois que você voltou pra casa, a
Maga Cuca conseguiu me prender e queria tomar a ciranda de mim, mas ela não
sabia como usar. Por isso, poupou a minha vida. Você lembra do Rei Gjorgy que nos enviou para ela? Pois é, esse
Rei não estava sendo atacado, a Cuca sabia da nossa existência e ameaçou o
reino deles, para que fôssemos até ela. Logo que a vi, achei estranho uma
criatura tão prestativa vivendo isolada da cidade e temida pelos habitantes,
mas como não gosto de julgar as pessoas antes de conhecê-las, dei um crédito de
confiança. Acontece que essa Cuca é uma maga poderosa, veja o que ela fez com
esse mundo, o mesmo mundo que estávamos quando você foi embora. Tudo virou
cinza, muitas criaturas morreram, outras foram transformadas em escravas, um
verdadeiro reino de terror. Nem mesmo o Rei que a ajudou foi poupado, os
prédios destruídos e toda vida sofreu com as maldades dela. Veja o que ela fez
aqui, tenho certeza de que fará o mesmo em nosso mundo.
—
Meu Deus, vô. Isso é terrível. E essas criaturas que obedecem a ela?
—
São os tukurás, ela criou um exército de insetos gigantes que seguem as ordens
cegamente. Ela detém uma magia que domina e agiganta os insetos, por isso
consegue derrotar todos que se colocam contra ela. Os tukurás, além de mais
fortes do que as criaturas normais, ainda conseguem expelir um veneno ácido que
pode derreter qualquer um. Eles chamam de caldo.
Gualbe
se aproxima deles.
—
O caldo não afeta o Conde E como a gente, por isso, quando a resgatamos, a
intenção deles era te aprisionar, porque a Cuca quer aprender como usar esse
objeto que vocês trazem para viajar entre mundos.
Imã
ouve tudo com atenção e tenta não demonstrar medo, depois puxa seu avô de lado
para falar discretamente. Gualbe se afasta para dar-lhe privacidade.
—
Vô, desculpe, mas a gente precisa sair daqui, voltar pra casa.
—
Eu sei, Imã, mas ainda não podemos voltar, você viu como ficou esse mundo. Não
podemos permitir que a Cuca faça isso com outros mundos. Se deixarmos nossos
amigos assim, eles não resistirão.
—
Mas, vô…
—
Imã, lembra o que sempre te disse: ajudar a quem nos ajuda?
—
Vô, você não tá entendendo, tem muito mais coisa em jogo.
—
O quê? Olha, eu nem sabia que você viria atrás de mim, eu pedi pra que não
deixasse isso acontecer.
—
Pediu? Pediu a quem? A mamãe não pode ser, ela nem acredita em nada disso.
—
Não importa, você precisa entender que a gente não pode sair assim. Temos que
planejar um jeito de derrotar a Cuca de vez.
Subitamente,
uma criatura interrompe a conversa, aflita.
—
Rápido Conde E, os tukurás estão vindo pra cá. Vamos nos proteger!
—
Venha, Imã, vamos para a nossa toca. Ainda não estamos prontos para
enfrentá-los! — Táquio puxa a neta pela mão.
—
Não, vô! Escuta, por favor! — Imã começa a ficar agitada.
—
Aposto que é a Tiana enchendo a sua cabeça, né? Ela sempre exagera no risco. Eu
estou bem, garanto.
—
Não, vô, você não está, não sabe o que tá acontecendo lá no nosso mundo.
—
Ora, Espoletinha, o que pode acontecer em poucos minutos?
— Vô, já passaram seis anos!
M. P . Cândido
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Carlos Mota
Bruno Olsen
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