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Antologia O Mal que nos Habita - 3x11

Conto de Emerson Figueiredo e Souza
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Sinopse: Membros de uma organização criminosa se reúnem para resolverem seus problemas, mas algo inesperado e fantasmagórico acontece.

3x11 - Academia do Crime
de Emerson Figueiredo e Souza

Os seis detentos entreolharam-se dentro da pequena cela escura, gélida, úmida, fedendo a urina e a fezes humanas! O silêncio era sepulcral, ninguém conversava, mas todos sabiam o motivo de estarem naquele buraco imundo, onde o tempo parara e a aflição da incerteza só começava.

Um estampido oco e metálico propagou por todo o cômodo fétido, e a pequena porta de ferro da cela abriu-se, adentraram quatro pessoas, duas portando fuzis que carregavam um indivíduo do sexo masculino, desacordado, todo ensanguentado e machucado, mas ainda vivo, quer fosse isso bom ou ruim dada as circunstâncias. A quarta pessoa, e última, a adentrar pelo recinto, segurava, em uma das mãos, um revólver calibre 38, marca Rossi, tambor com capacidade para seis unidades de carga e empunhadura de borracha, completamente municiado. Esse homem que portava o revólver se postou ao centro dos outros comparsas que portavam os fuzis e, de frente ao homem moribundo que fora deixado sobre o revestimento lodoso e insalubre que cobria todo o piso da cela:

‒ Vocês sabem as regras! O chefe deu o prazo de 1 hora para o engraçadinho que comeu a mulher dele, agora de manhã, entregar-se; o restante será poupado! Ela confessou ao chefe que um dos "soldados" que estavam vigiando a casa transou com ela na cama dele! Os "soldados" do dia eram vocês, então, um de vocês meteu o pau onde não devia. A primeira dama da organização não se lembra do rosto do infeliz, pois estava sob o efeito de crack, mas alguém vai pagar por isso aqui, hoje, e não serei eu! Vocês sabem como é o chefe!

O sujeito corpulento, de pele ressecada pelo Sol, com terno alinhado e sapatos italianos (que lhe causavam constrangimento por pisar naquele pardieiro), retirou todos os cartuchos da arma e recolocou apenas um no tambor do revólver, que reluziu toda sua cobertura prateada ao refletir a luz amarelo-opaca proveniente da lâmpada incandescente, com claridade bastante tênue, ante os desgastes dos filamentos, que acabara de ser acesa por outro capanga que se posicionara do lado de fora da cela, também, com um fuzil a tiracolo.

‒ Este filho da puta era o encarregado, do dia, de não deixar a patroa usar crack, recebeu ordens específicas do patrão quanto a isso, esse miserável! Terminou a frase chutando violentamente a porção central do estômago da sua vítima.

A vítima, já quase convalescente, vomitou sangue sobre o sapato bastante lustrado da única pessoa elegantemente vestida no local, enquanto, ao que parecia, conjurava algo completamente ininteligível em uma língua antiga, há muito esquecida, em meio a golfadas dolorosas de líquido vermelho e denso que se acumulava no chão, já anteriormente manchado de sangue.

‒ Você acha que falar com seus demônios agora vai lhe ajudar em alguma coisa "Necromante"? Acha que eles virão para lhe vingar? Aliás, que apelido estúpido foi esse que o patrão lhe deu? Por sua causa estou obrigado a permanecer nessa fossa imunda, por sua causa, a patroa deu uma recaída e, agora, sou obrigado a contaminar-me aqui com vocês. Antes de terminar a frase, um longo e incômodo gemido fez-se onipresente motivado pelo segundo chute na região do estômago que o infeliz recebera. ‒ Sabem qual é minha alcunha na organização? - Continuou: ‒ Eu sou o "Contador" e, ao contrário de vocês, sicários fracassados, o meu apelido representa realmente a função que desempenho na organização. Por lidar com tamanha responsabilidade, o patrão sempre me incube de fazer os serviços mais sujos que envolvam assuntos delicados e de cunho íntimo como agora. Só confia em mim para isso e, por isso, estou aqui; sei que acham que a confiança excessiva que ele deposita em mim é fruto do meu parentesco, já que nossas mães são irmãs. Mas não se iludam, bando de derrotados, apesar do voto de confiança, se eu pisar na bola com o chefe, terei o mesmo destino de vocês!

"Contador" olhou para "Necromante" que, com muita dificuldade, continuava a movimentar os lábios e a gesticular com as mãos, cujos dedos estavam completamente lesionados e cobertos de sangue, cortesia da tortura que recebera a mando do chefe. O "Contador" retirou um lenço do bolso do paletó e limpou o sapato direito que se impregnara com o sangue do "Necromante".

Após conferir meticulosamente se o sapato voltara ao brilho original, o "Contador" pegou a arma e, sem aviso, deu um tiro na testa do "Necromante", que tombou inerte junto à parede na qual se encontrava encostado, deixando um rastro de sangue e fragmentos de massa cefálica no caminho e sobre o sapado esquerdo do "Contador", que não conseguiu mais manter a compostura:

‒ O negócio é o seguinte, seus estúpidos, todos conhecem o jogo roleta russa, não conhecem? - Terminou de dizer enquanto limpava novamente o sapato, só que dessa vez o esquerdo. ‒ É aquele jogo onde se utiliza um revólver como esse - disse mostrando o revólver com tambor aberto. ‒ Coloca-se apenas uma munição no tambor. - Disse enquanto retirava a cápsula vazia do último disparo e colocava outra munição intacta no lugar. ‒ Roda-se o tambor, aponta-se o revólver para a cabeça e atira! Lembram? Nossa roleta russa será um pouco diferente, o chefe a chama de "roleta da verdade"! Toda vez que rodar o tambor e Deus ou o diabo interceder pelo infeliz, coloca-se mais uma munição no tambor para a próxima roleta e assim sucessivamente, entenderam? Lembrando que sempre iniciamos cum uma munição.

Antes que alguém tivesse a oportunidade de se pronunciar, já que se tratavam de perguntas meramente retóricas, o homem conhecido como "Contador", continuou: ‒ O chefe, inclusive, já determinou a ordem dos disparos: "Sociólogo", "Filósofo", "Químico", "Biólogo", "Historiador" e "Matemático", nessa ordem! Sinceramente, não sei por que o chefe escolheu esses codinomes de bacanas para vocês, já que não passam de uns analfabetos boçais! Mas é ele que manda! - Terminou a frase entregando a arma para o "Sociólogo".

O "Sociólogo" não conseguia esconder o nervosismo, nunca ouvira falar de Durkheim, Marx, Habermas, Weber, Adorno e nenhum outro sociólogo famoso ou não. Mesmo sem instrução, o "Sociólogo" sabia que as chances de morrer naquele momento não eram remotas. Rolou o tambor e apontou para a têmpora direita, já que era destro! No lugar de um estampido, ouviu-se um click seco! Era o sinal claro de que "Sociólogo" escapara com vida!

O "Filósofo", por sua vez, não era muito diferente, o mais perto que chegara de Sócrates foi quando conheceu o jogador da Seleção Brasileira de 1982! Foi um domingo no shopping de grã-fino, trabalhava como porteiro, um dia que ele nunca esqueceu! O "Contador" adicionou outra munição ao tambor e entregou o revólver para o "Filósofo", que, sem girar o tambor, apontou o revólver para a cabeça e efetuou o disparo! Novo click! Os outros participantes, exceto "Sociólogo", vociferaram pragas e maldições, alegando que "Filósofo" não rodara o tambor. ‒ Foi providência divina! - Disse "Contador" em tom de palavra final.

Outra munição foi adicionada ao tambor do revólver, e este foi entregue ao "Químico". Se estivesse a altura de sua alcunha no bando, ele saberia que a combustão da pólvora é exponencialmente potencializada pela pressão exercida dentro do estojo da munição, por isso, se atirasse no local certo, não sentiria nada ou quase nada ao morrer. Ao contrário do "Filósofo", o "Químico" rodou o tambor sete vezes, seu número da sorte, apontou para a cabeça e ouviu-se novo click.

Novo alvoroço, a reclamação, desta vez, era por motivo contrário ao anterior, pois o "Químico" rodara o tambor da arma sete vezes! "Contador" examinou o revólver e as munições, adicionou outra munição ao tambor e, após entregar o revólver para "Biólogo", disse: ‒ Providência divina! Parem de reclamar que isso já está demorando demais, não tarda, o chefe vem aqui querer saber o que está acontecendo, e vocês sabem que, se vier aqui, pessoalmente, ele mata todo mundo!

O "Biólogo" suava frio, mesmo não tendo a menor ideia do que seriam glândulas sudoríparas, glândulas écrinas, glândulas apócrinas e hiperidrose. O revólver quase escorregou de sua mão devido ao suor, após mais um click!

O "Contador", já completamente impaciente, examinou novamente o revólver e adicionou a quinta munição, antes de passar o revólver para "Historiador". Faria sentido se o "Historiador", antes daquele momento decisivo de sua vida, rememorasse todos os acontecimentos históricos desde a idade antiga, passando pela média, moderna e contemporânea, como arcabouço teórico que justificasse um fim tão insosso como aquele para ele! Mas o "Historiador" tinha memória ruim, não se lembrava bem de fatos passados. A única lembrança nítida que tinha, de sua infância, era de sua mãe cantando quando ele passava mal, música que ele cantava baixinho agora.

“Não sabemos muito sobre o sal da terra, sobre a fé dos montes, sobre os horizontes*…”. Novo click! E todos olharam para o "Matemático", que permaneceu em silêncio, pois sabia o que o último click significava!

Ao contrário do restante, o "Matemático" se lembrava muito bem das aulas de probabilidade que recebera no colégio interno que frequentara quando adolescente. Quando "Sociólogo" rodara a roleta, as chances de ele escapar eram de 5/6; "Filósofo" 2/3; "Químico" 1/2; "Biólogo" 1/3; "Historiador" 1/6, o que levava a concluir que o "Matemático" tinha 0% de chances de escapar naquele momento!

O "Contador" entregou o revólver para o "Matemático", os sujeitos dos fuzis posicionaram-se apontando-os para o "Matemático", caso ele tentasse alguma manobra não puramente suicida! "Matemático" pegou o revólver e, antes de colocar na boca para atirar, proferiu em voz alta:

‒ Fui eu que comi a mulher do chefe! E quer saber, foi péssimo! Ao contrário do que o chefe disse para mim, ontem, "Contador", depois de comer a sua mulher!

Após acionar o gatilho, o projetil destruiu partes do cérebro por onde passara e saiu pela região occipital, então, alojando-se na parede oposta. No momento em que o corpo do "Matemático" tombara sem vida, a lâmpada do cômodo explodiu, deixando a iluminação da cela a cargo dos poucos raios de Sol que imergiam através da pequena fresta que chamavam de janela; em ato contínuo e quase simultaneamente, a porta da cela, confeccionada em metal, fechou produzindo um estrondo similar ao disparo de um revólver; ouviu-se, também, os berros do sicário responsável pela segurança do lado de fora.

Após os olhos acostumarem-se com a pouca iluminação do recinto, o "Contador" tentava, sem sucesso, abrir a porta e entender o que diabos estava ocorrendo, enquanto empunhava o revólver na mão direita, motivo pelo qual não percebera que o corpo de "Necromante" estava em pé, mesmo sem vida, com um ferimento fatal na testa, de onde escorria sangue sobre seus olhos fechados.

Quando o fenômeno surreal e macabro foi percebido por todos, tiros de fuzis e, posteriormente, de revólver foram ouvidos ininterruptamente por toda a propriedade, até as munições acabarem.

O corpo moribundo, sem vida, de "Necromante" demonstrou ser completamente imune aos disparos e permaneceu inerte, ainda, ereto. Após alguns breves segundos de silêncio ensurdecedor por conta do fim dos disparos, a criatura abriu os olhos e reluziu todo o revólver cromado de vermelho visceral fogo, moveu-se na direção do "Contador", que, a essa altura, continuava a acionar o gatilho, mesmo que as munições estivessem acabado há tempo. Momento no qual ele se deu conta que sua vida de excessos e opulência se enceraria brevemente de forma surreal, agonizante e cruel!

* Dança das Luzes, Zé Ramalho.

Conto escrito por
Emerson Figueiredo e Souza

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Mercia Viana
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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