01 INT. CASA DE FELIPE, QUARTO – DIA.
ATO DE ABERTURA
FADE IN:
ABRE A CENA.
Visão ampla do quarto pequeno,
bagunçado, de Felipe. A pouca luz que entra vem da janela. Próximo a ela,
Felipe está debruçado sobre a escrivaninha, escrevendo algo em seu diário.
FOCO NO DIÁRIO.
FELIPE
(V.O)
Hoje será o último dia da minha vida. A última vez que darei bom dia,
que beijarei minha mãe no rosto, que abraçarei meus irmãos e que verei os
poucos amigos que tenho. Eu decidi que não quero mais viver. Os motivos pelos
quais estou fazendo isso... eu não sei... eu não sei qual o real motivo. Na
verdade, eu não sei mais quem eu sou e eu cansei de tentar me encontrar, eu não
quero mais tentar fazer o mundo me perceber. Eu não quero mais o medo de não
ser nada do que planejei para mim. Não quero mais ter que acordar de manhã e
ver o rosto de reprovação dos meus pais. Foi assim desde que disse que era gay.
E de repente, todo o amor que eles sentiam por mim se foi. E aí eu já não tenho
mais nada. Não me restou nada. Eu me olho no espelho todos os dias... e eu
odeio o que eu vejo, o jeito que eu me sinto, o jeito que todos falam de mim,
como se a cada esquina um dedo fosse apontado em meu rosto e uma arma na minha
cabeça. Eu estou cercado. E estou quebrado. E essa sensação talvez nunca vá
embora e, por isso... Hoje será o fim... o fim de mim.
FADE TO BLACK.
FIM DO ATO DE ABERTURA
CAPÍTULO 01:
SINGULARIDADES EM RUÍNA
FADE IN:
02 INT. COLÉGIO, CORREDORES – DIA.
POV. Corredor extenso. Vários jovens circulam. Alguns olham diretamente para a câmera.
JOTA
E aí, frutinha? Já bateu uma hoje na internet imaginando uma grande e grossa...
FELIPE
(V.O)
Sabe quando você se sente deslocado?
Como se você uma sacola plástica carregada pelo vento?
Eu me sinto assim todos os dias. Todos os dias vendo pessoas esfregarem na minha cara seus corpos perfeitos, suas vidas perfeitas e como são felizes em seu mudinho deprimente, enquanto o resto do mundo está se fudendo por aí, mas quem liga? Vai ter uma festa super da ora hoje. Foda-se tudo. Eu só quero curtir e postar no Instagram que eu sou feliz assim. No fundo, as pessoas são vazias e decepcionantes. O pior, eu quero ser isso. Uma parte de mim grita e pulsa em busca disso.
Felipe revira os olhos e, de súbito, recebe um empurrão de Jota. CAM.
Felipe vai ao chão, espalhado todas as coisas que tinha na sua mochila. Atrás dele, risos. Do seu lado, pessoas que passavam o olhando estranho, ou com vergonha alheia. Felipe levanta e cata suas coisas, jogando-as de qualquer jeito dentro da mochila novamente.
RUAN
Eu te ajudo!
RUAN se abaixa para ajudá-lo, mas Felipe levanta rapidamente, com raiva.
FELIPE
Não se mete!
Sai andando. CAM o acompanha. Ele aperta o passo pelos corredores e adentra num
BANHEIRO
Joga a mochila por cima da pia e encara seu reflexo no espelho. Olhos avermelhados. Ele começa a chorar.
FELIPE
Eu não aguento mais. Odeio isso aqui.
Ele adentra numa das cabines do banheiro e senta-se no vaso. Balança a perna freneticamente.
FELIPE
Por que essa merda de sino não toca?
Escuta um barulho. No mesmo instante, sobe as pernas, escutando com atenção.
Risos.
JOTA
(V.O)
E aí, bichinha?
Eu sei que você está aí. Tá se escondendo por quê? Pegou AIDS?
Mais risos de rapazes comemorando. Som. O sinal toca.
JOTA
Sabe. Eu sempre ouvi dizer que pessoas
iguais a você vão todas para o inferno.
Silêncio. Som de passos e porta abrindo e fechando. Felipe respira. Abre a mochila e retira uma garrafinha de bebida alcoólica, virando uma grande quantidade na boca. Ele tosse, fazendo que vai vomitar, mas se contém. Guarda a garrafinha. Fecha o zíper. Som. Sai da cabine. Dá alguns passos em direção a pia novamente, abre a torneira e lava as mãos, sempre olhando-se no espelho, fixando no fundo de seus olhos.
ENTRECORTES entre o real e como Felipe se vê: magro de mais, uma figura vazia e apática, abatida. Olhos fundos e negros, pele endurecida, lábios secos e ressecados.
FELIPE
(V.O)
É assim que ficamos quando
tudo é levado de você, quando nem mesmo sua alma lhe restou. O que te segura mesmo... é só a carcaça.
Tensão. INSIGHT. Melodia suave no fundo.
FELIPE
(Canta)
O tiro te acertou e você nem deu conta
A espada atravessou e você sentiu nada
Teu amor foi embora e você nem pergunta
Que os dias amanhecem e você nem levanta
CAM. Felipe sai do banheiro e
passa a cantar, andando, vazio, pelo corredor, igualmente vazio.
CAM o acompanha, focando em seu rosto.
MÚSICA: O Tiro - Scatolove
FELIPE
(Canta)
Bomba explodiu e você nem viu o
clarão
Veneno tá na veia e você não quer curar
Teu amor foi embora e você nem percebe
Que os dias amanhecem e você nem acorda...
ENTRECORTES entre os passos de Felipe e seu rosto.
FELIPE
(Canta/Chora)
As cores foram embora e você nem
se pintou
O açúcar foi embora levou todo sabor
Tristeza pôs o véu em você, te cegou
Agora todos foram embora e só você ficou...
Passos. Rosto.
FELIPE
(Canta)
Depois que arde o corte sempre alivia...
Para frente a uma porta de ferro.
FELIPE
(Canta)
Enquanto os meses vão passando a anestesia.
A
música acaba.
Felipe pensa pouco e abre a porta.
CORTA PARA.
03 EXT. COLÉGIO, TERRAÇO – DIA.
Felipe
acaba de atravessar a porta. Anda, robótico, até as beiradas do Terraço. Olha
para baixo.
POV. A altura é grande. Visão embaçada.
Barulho apenas da ventania que faz no local.
Felipe se demora um pouco, em seguida passa uma perna pela beirada, logo depois a outra e se senta, com ambas as pernas no ar. Ele escorrega um pouco. Ouve-se as batidas de seu coração.
Tensão.
Fecha os olhos e abre os braços. Ápice. No momento em que ia pular, ouve-se uma voz adentrar na cena.
RUAN
NÃO!
Ruan passa como um vulto por frente a câmera, praticamente pulando em cima de Felipe e o arrastando para um pouco longe das beiradas.
FELIPE
Me solta!
CAM.
Os dois se debatem no chão. Felipe consegue levantar.
RUAN
Você não pode fazer isso!
FELIPE
E quem é você? Madre Teresa? De
onde você
veio?!
RUAN
Seu diário!
Ruan mostra o diário de Felipe para ele.
FELIPE
Onde conseguiu isso?
RUAN
Você deixou cair. Eu ia te
devolver, mas fiquei curioso.
Ainda bem
que eu li isso.
FELIPE
Invadiu minha privacidade. Sai da minha frente!
RUAN
Você não pode pular daí!
FELIPE
Por que você está dizendo?
RUAN
Não!
Porque é um desperdício, é um desperdício com a vida!
FELIPE
A minha vida é uma droga!
Você deve saber, você leu isso.
Aliás,
não devo explicações da minha
vida!
RUAN
Você acha mesmo que vai resolver tudo se matando?
FELIPE
Não sei!
Eu não sei de nada. Eu só quero
isso pare. Eu só quero que tudo pare.
RUAN
Não precisa ser assim. Olha, a vida é complicada, mas é rara. Nem todas as pessoas têm a opção de viver, como você.
Felipe se senta, encostado na parede. Ruan faz o mesmo do seu lado.
RUAN
Há outros jeitos de lidar com isso.
FELIPE
Eu não vejo nenhum... Não sei quando as coisas começaram a dar errado. Acho que desde sempre.
RUAN
Você pode mudar isso. Eu tenho certeza que sim, porque nós somos as únicas pessoas nesse mundo que podemos escrever nossas próprias histórias.
Ruan tosse, ofegante.
FELIPE
Eu queria mesmo que tudo fosse
diferente, mas eu me
sinto cercado de coisas ruins.
Aonde quer que eu vá, a minha sombra vai junto.
RUAN
Escuta. Ninguém nessa vida é feliz todo dia, assim como ninguém sofre todo dia. Uma hora, um dia, a tristeza se vai e felicidade vem, e vice-versa.
FELIPE
Todo mundo precisa de amor, todo mundo precisa de uma palavra de carinho, de algum conforto, eu/
RUAN
Sim, mas isso não se ganha, se
conquista.
O que você fez pra mudar isso? Eu sei que não é proposital, mas você acaba se afastando de si mesmo cada vez mais. Você diz que não precisa da aprovação de ninguém, mas se importa tanto a ponto de se sacrificar por nada. Escuta, o amor tem que vir de dentro.
FELIPE
(Chora)
Eu não consigo...
RUAN
Tenta...
FELIPE
Eu me sinto feio por dentro.
RUAN
Mas você não é. Você é lindo! Por dentro e por fora.
FELIPE
(Chora)
Eu não vejo.
RUAN
Eu te ajudo. Eu te mostro todos os dias que viver vale a pena, e que você é digno de amor, sim! Vem comigo. Vamos viver e descobrir tudo de bonito que o mundo esconde e que a vida guardou pra você. Deixa eu te ajudar.
Ruan estende a mão para Felipe.
FELIPE
Por quê?
RUAN
Por você.
Ruan pensa uns instantes e, com a mão trêmula, agarra a de Ruan. Lágrimas descem do seu rosto.
Silêncio.
FELIPE
Qual o motivo? Qual o motivo de
você falar tão bem da vida?
De você querer me mostrar tudo isso?
RUAN
Eu vou morrer... É tudo que precisa saber de mim por enquanto.
Felipe olha surpreso para Ruan, enquanto o mesmo olha para o horizonte.
FADE TO BLACK.
FADE IN:
04 EXT. PENHASCO – DIA.
Sol radiante. CAM AÉREA. Todo o local demasiadamente calmo e vazio é pego pela CAM. Embaixo, Ruan e Felipe se encontram fitando o nada.
FOCO.
MUSIC FADE: Before It Breaks – Brandi Carlie.
FELIPE
Isso é ridículo.
Eu não vou fazer isso.
RUAN
Ninguém vai ouvir. Além do mais, isso ajuda a tirar toda a tensão do corpo.
FELIPE
Isso é uma espécie de mantra da paz? Você é o quê? Um monge?
Ruan ri.
RUAN
É sério.
A gente veio até aqui, vai. É fácil. Só abrir a boca e...
Ruan grita alto. O som ecoa pelo local até cessar. Ele ri.
FELIPE
Você é louco!
RUAN
Essas são as melhores pessoas. Sua
vez.
Você prometeu.
FELIPE
(Grita sem vontade)
Ah! Pronto.
RUAN
Só funciona se for de verdade. Tenta assim.
Ruan grita novamente. Felipe hesita um pouco e depois grita. Para e escuta o eco.
RUAN
É isso aí!
Ruan
grita outra vez. Felipe o acompanha.
Então faz-se gritos atrás de outros.
CAM vai se afastando da cena, enquanto a música toma conta da cena.
Risos de Felipe e Ruan.
FADE TO BLACK.
FIM DO EPISÓDIO.
#MENSAGEMDODIA:
“Quando tudo desmoronar e você
estiver cansado, apenas grite".
minissérie de
Everton Brito
elenco
Fhelipe Gomes como Felipe
Gabriel Contente como Ruan
Guilhermina Libanio como Toppy
Linn da Quebrada como Mariane
Maicon Rodrigues como André
Rodrigo Dorado como Jota
trilha
sonora
Estrada - Nina Fernandes (abertura)
O Tiro - Scatolove
Before It Breaks – Brandi Carlie
produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança
com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera
coincidência.

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